As muitas gramáticas de um mesmo idioma ‘português’
d.C. 2010/5
Carlos Irineu da Costa in Crítica

(e um breve Manifesto Anti-Planalto Basáltico)

Sou formado em Português. Língua e literatura. E meu mestrado foi em Literatura Portuguesa.

Sempre gostei de semântica e pragmática, sempre achei sintaxe “um saco”. Semântica e pragmática, para mim, são formas de entender como um idioma funciona. Sintaxe é como leis de trânsito: não fazem sentido, mas você obedece para não ser penalizado. Uma vez que você comece a entender matrizes semânticas – e, mais tarde, se você entrar um pouco em Informática ou Teoria da Informação, grafos (balanceados ou não) –, é possível pensar a gramática quase toda em termos de semântica e jogar boa parte da sintaxe fora. Foi o que fiz, na minha cabeça, e hoje leio, muito revoltado, as mudanças na “lei de trânsito” que fizeram com essa “reforma” que não mudou nada de útil e merecia um sério ato de ‘desobediência civil’ até que alguém colocasse as coisas no lugar. QUALQUER lugar, porque “isso aí” não É um lugar, é o meio do nada.

Para quem queira alegar que havia um projeto de “aproximação” dos quase-dialetos de português, bom, boa sorte. Se nós, os portugueses e os angolanos obedecermos a 100% das regras de uma “gramática unificada” – que é um absurdo, porque não se “unifica” mentalidades, e idiomas são coisas vivas, que não funcionam por decreto; diabos, ninguém leu nada sobre lingüística nesses anos todos? – … se todos obedecermos à mesma morfossintaxe, ainda assim os portugueses vão usar “bicha” para as filas (de banco, dos correios etc.), “cromo” no lugar de figurinha e “maple” para um tipo de poltrona que eu nem sei como se fala em ‘brasileiro’. Não só continua tudo diferente como, pior, não conseguimos imprimir livros de forma coerente e distribuí-los aqui e em Portugal. ISSO faria diferença. Muita. E isso poderia ser resolvido por uma mudança de lei mas, claro, aí os interesses econômicos que seguem a Lei do Retorno Tacanho, Contanto que Seja O Meu, prevalecem.

Uma coisa que se aprende, quando se passa quatro semestres estudando gramáticas, comparando 4 ou 5 delas, é que gramáticas (os livros) são formas de pensar um idioma. E cada gramático é, além de um estudioso, um escritor, um ensaísta – eles têm idéias próprias, que em geral não estão explicitadas em lugar algum da gramática (o que eu acho um erro), e essas idéias fazem com que eles digam que uma mesma coisa vai ser classificada como X ou Y, ou que pode ser usada assim ou assado – ou, muito pelo contrário, não, nada disso.

Gramáticos, como médicos e consultores de qualquer coisa, não concordam entre si. Por que as escolas insistem que existe A Gramática do Português… não sei, não entendo, acho ruim a forma como ensinam o idioma, tenho a impressão de que há saídas melhores mas parece que as escolas seguem normas, parece que as normas são feitas para um troço chamado vestibular que é feito para avaliar se as normas foram seguidas e, no final, eu até hoje não sei por que tem “planalto basáltico” gastando espaço no meu cérebro mas, por outro lado, não me ensinaram Latim, que teria sido milhares de vezes mais importante.

Latim? Que tiraram da “grade curricular”? Pensem um pouco: cientistas precisam de um pouco de Latim, porque podem entender um monte de coisas que, no geral, só recitam; o pessoal de Direito também; qualquer um que use o idioma para ganhar dinheiro – em publicidade, TV, revistas, editoras… bastante gente… – também poderia ser mais criativo e falar menos patetices.

Agora me dêem uma lista dos usos possíveis do tal planalto basáltico, que, aliás, não sei onde fica, não sei o que é, nunca usei – nem para me ajudar a pensar outra coisa. Tenho 200% de certeza que teria sido melhor gastar o MEU tempo de vida – é isso que nos retiram, nas escolas, all in all just another brick in the wall - aprendendo, por exemplo, por que nosso país foi dividido como foi, ou que tipo de questões (de produção, de solo, de geração de energia) cada uma das regiões do país enfrenta.

Mas eu ia falar sobre os usos de por que / porque / por quê / porquê. Vou ter que escrever outro artigo. Hey, ho, let’s go…

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