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Domingo
dez272009

Crepúsculo: Vampirizaram Romeu e Julieta

Crepúsculo é Romeu e Julieta vampirizado (literamente e em duplo sentido) por uma moça. Vendeu horrores. Talvez porque as pessoas não estejam lendo Romeu e Julieta. Que é muito mais interessante. Talvez porque os leitores estejam se deixando levar por essa tendência da “nova escrita” americana. Essencialmente, consiste em escrever mal. Frases curtas. Diálogos tolos. Não constróem mais personagens. Não há estilo. Jogam uma história banal para fazer de conta que existe algo no livro-filme. Não existe. A única estética é “vender”. Que nunca foi estética – chama-se “retorno sobre investimento”, “lucro”.

Se houver uma estética, contudo, é a de escrever livros pensando em como serão filmados. Leio os “capítulos” – pode ser Crepúsculo ou pode ser Dan Brown – e, em vez de uma estrutura montada para contar uma história (chama-se “narrativa”; bom, chamava-se…) há um arremedo de enredo, com descrições enormes (e chatérrimas) para ajudar na hora de filmar. Nenhum autor de best-sellers (sobrou algum outro tipo de autor ou já morremos todos de fome?) escreve algo, hoje, sem pensar na bilheteria do filme.

Entro nas livrarias e só encontro isso: uma frase. Outra. Poucas palavras. Vocabulário imbecil. Remixagem do imaginário mais banal. Diálogos tolos. Personagens que não me dizem nada. Histórias que não me interessam porque não tem tensão interna, não tem um motivo para eu me interessar por aquilo. 

Admirável Mundo Novo. Bom que o Huxley morreu e não tem que suportar isso.

Crepúsculo: vampiro Emo se apaixona por garota XemNoxaum (e também Emo) e os dois vivem um amor proibido. Fim do livro-filme.

Construção de personagens: zero. Diálogos: zero. Originalidade da trama: negativo.

Cadê o Shakespeare ou, ao menos, uma autora que tinha uma boa história para contar e sabia fazê-lo, como era o caso da Rowling com seu Harry Potter?

Rapaz e moça se apaixonam. Romeu e Julieta. Amor impossível. Romeu e Julieta. Final trágico: não ia vender, então cortaram essa parte. Grandes sacadas do Shakespeare: Stephanie M. não tem sacadas, ela mal consegue lidar com as frases estilo sujeito – verbo – predicado.

E aí fazem o filme. Passado num lugar lindo do estado de Washington, norte dos EUA, onde muito por acaso eu estive – passei por boa parte das locações de filmagem, inclusive a cidade, que existe de fato, o lago, que é bem mais bonito ao vivo, e as florestas, que têm nuances de cor e luz que se perderam no filme.

O que o diretor de fotografia ou o cineasta estavam pensando quando colocaram aquelas câmeras “noviça rebelde” rodando o tempo todo em torno do casal Emo? Os dois deitados no chão, “se amando”, num momento Emo, era completamente Esplendor na Relva. A trilha sonora beirou várias vezes o indizível, como quando havia uma flauta maluca tocando umas notas xem noxaum, meio atonal, e o que eu ouvia era uma espécie de ruído agudo chato no fundo. Colocaram música rock-tecno aqui e ali, pessimamente mixada, tudo baixo, muito chapado. Os atores era atrozes, os diálogos contrangedores. Palavra mais falada no filme: “yeah…”, seguida por “well” e “ok”.

E a cena de baseball, além de não servir para absolutamente nada dentro da história – ah!, esperem!, é quando os “vampiros do mal” descobrem a menina Emo que não tem medo de ser sugada até a morte e aquela imitação de Quadribol com Wire-Fu tirado dos chineses serviu para isso. Bola de baseball supersônica? Ia estourar, é fisicamente ridículo e é um pretexto medíocre.

É inacreditavelmente ruim, sob todos os aspectos em que consigo pensar – e eu estava sinceramente tentando gostar do filme! – e, no entanto, faz um sucesso enorme. Não sei dizer qual a pior parte do filme, mas sei qual foi a melhor: os créditos finais!

Existe um desenvolvimento a fazer aqui no site sobre o futuro dessa tendência de juntar “tudo aqui agora”: vampiros purpurinados com lobisomens, daí vão entrar X-Men e Pokemons e acho que alguma hora o Ronnie McDonald vai ser personagem também. Falo sobre o Ronnie e essa maluquice de “tudo junto” em breve.

Um amigo me dizia que “com o sucesso não se discute”. E Crepúsculo tem o mérito de fazer sucesso jogando no lixo tudo o que havia de interessante sobre vampiros e colocando uns “lobisomens indígenas” em cena. Eu hoje diria para o antigo amigo: é, não se discute o sucesso mas, se o preço a pagar é descer tão baixo, então é hora de nos perguntarmos o que está havendo de muito errado para que “sucesso”, hoje, seja Crepúsculo e mais um do Dan Brown.

A música já morreu. Agora a literatura, ou ao menos a arte de narrar histórias, vai junto até o fundo do poço?

May god have mercy upon my very mortal soul…

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