Dada [Dadaismo] não é Gaga
d.C. 2010/3
Carlos Irineu da Costa in Crítica, Dada, Escritos, Música, arte, literatura, surrealismo

Vou retornar ao fenômeno que é Lady Gaga sequer ser notada, quanto mais notada como fenômeno.

Vamos começar por algo sério: o movimento Dada.


Dada é uma nova tendência na arte. Qualquer um sabe disso pelo fato de que, até agora, ninguém tinha ouvido falar a respeito, e amanhã todos em Zurique estarão falando disso.

Como alguém atinge o êxtase eterno? Dizendo dada. Como alguém se torna famoso? Dizendo dada. Com um gesto nobre e delicada adequação. Até ficar maluco. Até perder a consciência. Como é possível se livrar de tudo aquilo que fede a jornalismo, vermes, tudo que é bacana e certinho, tacanho, moralista, europeizado, enfraquecido? Dizendo dada. Dada é a alma do mundo, dada é a loja de penhores. Dada é o melhor sabão do mundo. Dada Sr. Rubiner, dada Sr. Korrodi. Dada Sr. Anastasius Lilienstein.

 

Dada:  Zurique, 14 de julho de 1916: o trecho acima é do Manifesto Dada lido por Hugo Ball na primeira soirée pública do movimento Dada.

Dada: Hugo Ball, Richard Huelsenbeck e Tristan Tzara. Reduto: Cabaret Voltaire, Zurique [1].

Dada: uma palavra aleatória apontada em um dicionário por um cortador de papel. Ou qualquer outra coisa, porque era parte da essência de Dada jamais se explicar – ao menos não nesses termos.

Dada: de 1916 a 1924: + Jean Arp, Marcel Janco, Emmy Hastings. Nova Iorque, Berlim, Colônia, Barcelona e Paris. Apesar da Primeira Guerra.

Dada é genial ao capturar ou inaugurar ou fundar aquilo que seria, mais tarde, diluído pela mídia de massa e que hoje entendemos (eu entendo, ao menos; assim que eu publicar troco para “entendemos”) como um “paradigma / postulado McLuhan: qualquer um sabe que Dada é uma nova tendência na arte porque, até agora, ninguém tinha ouvido falar a respeito e, amanhã, todos em Zurique [no planeta] estarão falando disso. [2]

O enunciado Dada de Hugo Ball é – como pretendia ser – uma tautologia. Definia o movimento como algo que era aquilo que era: Dada não admite, a rigor, que se fale em “dadaísmo”, não faz sentido porque não há um “ismo” aí. (O que entendo como um “ismo”? Retorno, retomo. Por enquanto, relevo.)

Dada é provocação – truculenta, se necessário –, liberdade de linguagem, forma e material. É o fim de tudo que veio antes, é um ponto de ruptura, é – segundo minha visão muito particular do assunto – o ponto exato de inflexão em que se inaugura a chamada “arte moderna” no Ocidente. (É o fim de tudo o que veio _____. É o início do restante do tempo.)

Dada é o epicentro do racha que permitiu a existência dos “ismos” que se seguiram e que, segundo querem alguns, em algum momento se esgotam numa apatia “pós”.

Faz mais ou menos tanto sentido quanto dizer que “hoje” é o “pós-ontem”.

Se eu fosse outro – talvez eu mesmodiria que não há pós nenhum: o relógio corre, o jogo continua [Dada, Wittgenstein!], o tempo é irreversível e aquilo que se convencionou chamar de “pós-moderno”, conforme anunciado por Lyotard, é (se tanto) um momento de crise datado, restrito, confinado; uma situação de produção pós-industrial, talvez; a crise dos discursos científicos (mas não dos discursos como um todo e certamente não da Arte); a necessidade de repensar a questão dos “centros” para fazer a passagem para nosso cenário “em rede”. Qualquer tentativa de falar em pós-modernidade ( = crise de validação dos centros ) num mundo que se define como rede de redes leva a um abismo lógico.

Seria, contudo, Dada de minha parte afirmar algo assim, então apenas penso.

O que me interessa, agora, é entender por que Lady Gaga pode ser pensada como um pastiche-simulacro-paródia que deseja se tornar “a coisa em si”: um, digamos assim, original.

O que me interessa, agora, é pensar a crise ou o abismo de criação ou o momento de perplexidade ou o YouTube como Big Brother do imaginário coletivo que validam a transcendência ultrapop de Lady Gaga como operador em nossa rede de produção cultural. (Gaga: um hub? ou eu preciso retomar o conceito de que, em topologias complexas, terei fenômenos emergentes que serão aglomerados locais - de alcance mundial - de efeitos midiáticos complexos e globais?)

PS: Tzara: Dada destrói tudo!

PS2: Carlos: é preciso que alguns de nós se levantem novamente, como Tzara e H-Balls. Gritemos DADA!

Já basta do mesmo.

 

[0] THX1138: 1h time budget reached, central processor power restored to high priority production processes. Consume, be happy!

[1] Sim, o nome da banda de EBM / electronica Cabaret Voltaire (obviamente) bem posterior vem daí.

[2] Formalmente: uma versão em inglês do possível texto do Manifesto de Hugo Ball pode ser encontrada em http://www.391.org/manifestos/19160714hugoball_dadamanifesto.htm; a tradução é minha e não é nada livre.

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