escritores e contadores de história (um ensaio sobre a Escrita)
d.C. 2011/2
Carlos Irineu da Costa in Ensaio, ensaio, escrever, literatura

digo que escrever é uma procura constante da Forma.

separo - na minha cabeça e em raras conversas com amigos - aqueles que escrevem em duas ‘categorias’: os contadores de histórias e os escritores. nunca é tão simples (jornalistas escrevendo não são nem uma coisa, nem outra; são ‘jornalistas escrevendo’), mas é um começo. 

contadores de histórias criam narrativas formidáveis, criam mundos onde o leitor pode entrar e se perder. C.S.Lewis é um contador de histórias; J.K. Rowling é uma contadora de histórias; há muitos outros. 

escritores, para os quais eu deveria ter um outro nome, são pessoas obsessivas com a Forma. podem escrever um livro enorme sobre um único dia, ou podem escrever sobre o nada - eles (nós) querem (queremos) sobretudo pensar em como se escreve; no que é ‘narrativa’; na relação entre as palavras e as coisas; entre mundo e representação. história? sim, pode ter uma, mas é para fazer a Forma caminhar.

poetas em geral são - deveriam ser - o extremo dos escritores: poesia é (me parece ser) forma, antes de qualquer coisa. que Shakespeare consiga contar histórias fantásticas claramente entendendo a Forma e ainda colocando nisso poesia é minha forma de explicar - ou entender, ao menos - por que Shakespeare continua interessante, atual, formidável. (nunca é tão simples, mas é um começo.)

há uns poucos que são as duas coisas: contam histórias ótimas enquanto buscam a forma que lhes parece ideal. são poucos - Shakespeare, Pessoa, aquele(s) a quem chamamos de Homero, Bill Watterson, Italo Calvino, Machado. (não Borges, não Rowling, não Tolkien - os dois últimos, contadores de história; o primeiro, nunca sei o que fazer, é como se ele estivesse sempre preso entre a narrativa e a busca da Forma.)

todas essas coisas passam pela prática, e por compreender a prática. acho estranho que, quando se estuda Literatura, a maioria dos ensaios escritos não tenha nem domínio da Forma nem um sopro de poesia na alma de quem escreve. em nome de uma objetividade que a própria Ciência diz ter abandonado (só diz; em geral ela mente, ou narra uma história em que gostaria de acreditar; mas é o que sonha, a Ciência: incorporar a subjetividade na objetividade) as Humanas (que jamais deveriam ter aceitado, em nome de ‘validação’, a prisão que lhes trouxe o amputativo ‘Ciências’ - quem pode defender uma ciência do particular, do único, da subjetividade vertida sobre o subjetivo?) //

em nome de uma objetividade que lhes é impossível, as Humanas jogam fora o que há de belo na construção do pensamento para tentar uma ‘neutralidade objetiva’. mover-se para fora deste campo leva rapidamente à Grande Maldição do Impressionismo (‘eu acho’ e ‘na minha opinião’).

acho que, na minha opinião, seria preciso jogar o cientificismo dos séculos 19 e 20 no lixo e, como propõe Todorov (citando aqui um ‘nome’ para embasar a selvageria do meu pensamento; notando, ao mesmo tempo, o sarcasmo que coloco nisso), esquecer o Formalismo, esquecer um monte de subterfúgios e muletas para tentar voltar a ler.

este ia ser um texto sobre ‘contar histórias’, escritores e a Forma. não tenho espaço e falei sobre outras coisas, noto agora. como eu disse, ainda estou à procura da Forma; esta busca tende a não ser nada linear.

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