nessa outra vida
d.C. 2011/2
Carlos Irineu da Costa in Escritos, Poesia, escritos, filosofia, literatura

[versão de 15:54, 8 mar 2011]

nessa outra vida
tenho tempo, sempre; e dinheiro no banco para
aproveitar o tempo, embora
comprar nunca seja
importante.

estou com amigos num bar
temos conversas existenciais mas
macroeconomia não é tema e
política é um ruído branco
na brasília de insanos;

não leio jornal porque
nada dizem

não preciso ver noticiário –
a TV é apenas outro ruído, prefiro que se cale:
vivo bem sem ela.

estou com amigos num bar, temos
o tempo do mundo e as vidas de quem
se ocupa apenas da vida
com dinheiro no banco podemos
silenciar também as contas e
as aplicações financeiras são
uma besteira qualquer para outros,
aqueles que não são como nós.

nessa outra vida de TVs silenciadas eu
assisto num LCD imenso numa sala tranquila
a filmografia de Tarkovski e Kurosawa;
não perco tempo com séries americanas e
sou roteirista de cinema.

ou escritor: um roteirista que fabrica
as próprias imagens.

meus personagens sentam-se no bar eles
têm coisas a me dizer me narram as
próximas páginas nunca sinto o peso
das folhas vazias nem tenho medo
de telas em branco

nessa outra vida eu durmo bem eu
não tomo comprimidos moro na Austrália
onde as mulheres são bonitas
as cidades arrumadas
e todos carros são Audi R8
talvez mesmo
(se eu escrever realmente bem)
um Porsche.
no mínimo um Mini,
menos é nada.

nessa outra vida
sou menos denso, vou aos lugares com
um sorriso despretensioso encontro
pessoas interessantes que me dizem
coisas novas;
ninguém jamais assiste Big Brother
e o único reality show é a passagem dos dias.

em Passárgada, amigo do Rei, não preciso chegar a tanto mas
personagens amigos sentados no bar me contando histórias e
ouvindo enquanto eu narro epopeias ou discuto como
acho que será quando a editora for;
em Passárgada sou feliz não trinco os dentes
os demônios me deixam em paz e quando sonho
é sempre algo divertido como
um novo roteiro que penso
em produzir.

lá como aqui
por vezes sei começar as coisas
e não me importo de mergulhar mais fundo porém
escritores descobrem rápido que
encontrar finais para
histórias, poesias ou qualquer conto vago
sobre vidas sonhadas
nem sempre é possível:
lá (como aqui) eu
por vezes apenas
digo que
cheguei ao fim.

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