no final, é a forma como fazemos as contas que define ...
d.C. 2011/4
Carlos Irineu da Costa in Ensaio, Escritos, aqui dentro, lá fora

Não importa tanto o que fazemos ou deixamos de fazer. No final, é a forma como fazemos as contas que define nossas vidas.

Naquela manhã, indo de carro para muito longe, ouvia o amigo falar sobre sua vida nestes últimos anos. As relações com os outros, sobretudo. Amores, paixões, mulheres importantes que deixaram de existir, mulheres que vieram e se foram muito rápido. O que foi acrescentado, o que foi removido. O que não resistiu às passagens, o que se quebrou. O que foi construído.

Estruturalmente falando, como ele tinha chegado até aqui e para onde estava indo. No momento, ao menos, que esses destinos são todos muito transitórios.

Tudo que eu tinha a dizer era tão complicado que mal encontrava em mim os sons necessários. Então na maior parte do tempo eu ia no carro escutando e olhando para aquela área da cidade em permanente construção e ampliação.

Um vírus de concreto se espalhando, prédios-cogumelo brotando em toda parte. Altos. Quadrados. & feios. Desnecessariamente altos, quadrados & feios. Mas a lógica que rege os prédios não é uma ecologia, e na verdade igualmente pouco se importa com a humanidade dos futuros habitantes. Trata-se antes de empilhar humanos no menor espaço tolerável, dando a impressão que isso é bom. Cobrando sempre o mais caro possível.

Mercadoria, tudo.

Meu olhar tinha a tristeza do saber que é irreversível, que o acúmulo de concreto & pessoas continuará sem que possa haver qualquer intervenção, oposição, resistência.

Inútil olhar com tristeza. Nem mesmo crítica para aquele futuro, única distopia possível. Tudo já foi decidido, não pediram minha opinião. Nem a sua, por sinal. Prossiga em frente e faça o que deve ser feito.

Sobrou apenas contemplar a epidemia alastrando-se. Sobrou o sentimento de perda. Saber como chegamos até aqui, entender que estamos indo para o lugar errado, de uma forma ruim. Perceber até que não haverá abismo, cataclisma, hecatombe. Nenhum final muito claro. Apenas uma continuidade incômoda, um meio termo mal resolvido.

Retornei à conversa, já que aos prédios havia pouco a dizer. Olhava a vida que ele contava, pensando que ele certamente tinha vivido um outro filme. Não no meu set de filmagem. Não o roteiro que tenho lido e contribuído a escrever. Não os mesmos atores.

Curiosamente, estivemos boa parte do tempo como diretores atores coadjuvantes roteiristas best boys no mesmo filme.

Decerto não somos um só, a leitura não é única, temos diferenças de opinião. Sobretudo ele falava com a autoridade que se dá todo aquele que viu os fatos de dentro. Em relação à cabeça dos outros, você está sempre de fora, onde o Universo é estranho & muito diferente. As vezes como espectador, outras como ator. Mas sempre a imagem refletida daquela retina que ia e vinha entre dirigir o carro e olhar para mim.

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