Traduções, tradutores, originais, editores … e críticos
d.C. 2010/2
Carlos Irineu da Costa in Improbabilidades, Traduções, Tradutores, livros, tradução

Poucas horas antes de escrever este post, recebi de um amigo, por mail, um link para uma crítica bastante dura a uma de minhas traduções. Trata-se de “A cabeça de Steve Jobs”, de Leander Kahney, publicado pela Ediouro / Agir e traduzido pelo Carlos Irineu que agora escreve.

Não é a primeira crítica que recebo e, honestamente, espero que não seja a última: críticas e elogios são sempre bem-vindos, pois significam que alguém está lendo atentamente os livros.

“Criticar”, contudo, é notoriamente difícil. E, neste caso, quando uma crítica deixa de lado qualquer ponto positivo para generalizar, quando uma crítica sobre tradução não se dá ao trabalho de ler o original, mas acredita ter o direito de fazer críticas pontuais citando a tradução …. bom, acho que coisas importantes se perdem e nada de muito útil terá sido dito.

Nenhum tradutor profissional seria insano a ponto de criticar uma tradução sem fazer, antes, uma cuidadosa comparação com o original. Nós temos uma reputação a zelar, respondemos aos nossos pares e aos editores com quem trabalhamos. Entretanto, embora todos tenham direito a “gostar” ou “não gostar” de um livro, os blogs tornaram fácil (barato, prático, sem prejuízos de imagem institucional) para qualquer um publicar globalmente, na internet, “qualquer coisa” como se fosse algo sério, embasado e pensado. Nem sempre é o caso.

Também não acho razoável que alguém pretenda juntar, numa mesma “crítica” – mais uma vez enfatizando o total desconhecimento do original que é, supostamente, o assunto em questão – diagramação, impressão, capa, tradução e revisão de texto. Parei minha contagem de “problemas” do livro aí.

Curioso que, entre editores, tradutores, preparadores de original, revisores e capistas, todos de primeiro time (eu sou um “insider”, eu posso dizer isso), tanta coisa tenha (supostamente) dado errado.

Mais curioso ainda que, com todos esses erros, capazes de fazer a crítica “pegar ódio do livro”, esteja há mais de um ano na lista de “mais vendidos”. Sim, eu entendo que “lista de mais vendidos” não significa “livro bom”, mas acho que as listas nos fazem pensar no que acontece no mercado de livros, refletem o gosto dos compradores de livros e são, para todos aqueles na cadeia de produção e venda de livros, um parâmetro importante.

Hoje, “livro” é um “produto” que necessita de um “retorno do investimento”, possui uma curta duração em qualquer livraria (já notaram quão poucas sobraram?) e essencialmente vai para uma “vala comum editorial” se não vender direito nos três primeiros meses. Livro é uma mercadoria. Não é bonito de dizer, não é agradável para um poeta e ‘autor-autoral’ como eu mas é a realidade do mercado que, novamente, é constituído pelas pessoas que agora me lêem e pelas que compram livros. 

Mais tarde posso retomar o assunto da “cadeia de produção do livro” e comentar alguns dados do excelente estudo “A Economia da Cadeia Produtiva do Livro” feito por Fábio Sá Earp (que tive a honra de ouvir numa palestra e com quem pude conversar) e George Kornis, disponível em PDF gratuito para download. Recomendo a leitura, mesmo que seja só para olhar os gráficos reveladores.

Eu queria finalizar com dois assuntos sobre traduções e críticas a traduções, antes de fechar este post (já em sua terceira edição – sou perfeccionista e Mestre em Literatura, além de ser formado em Língua Portuguesa, além dos 10 anos de Cultura Inglesa, do tempo trabalhando como tradutor nos EUA e apesar de, com tudo isso, produzir “lixo”).

A primeira é que, se alguém não se deu ao trabalho de abrir um original mas se acha capaz de criticar uma tradução, nada tenho a dizer. Pediria que esta pessoa me desse traduções boas e de fácil compreensão para uma longa lista de terminologia técnica que envolve, por exemplo, processos patenteados pela Apple, ou que me sugira uma boa forma de lidar com trechos como “Many of these [vertical and horizontal] stripes also doubled as ventilation slits, precision crafted into S-shaped cross sections, which prevented objects like paperclips being poked inside”. Tem que ser para público geral. E não me interessa se não existe o termo em português porque o objeto em si não existe aqui: peço que, como qualquer tradutor, essa pessoa “se vire” e encontre uma boa solução.

Pediria ainda que a pessoa encontrasse tais soluções de forma consistente. Sabem, é preciso fazer isso diariamente e um livro pode chegar a um milhão de caracteres (mais, se for da Rowling…). Quantas vezes é “razoável” que uma palavra apareça repetida em um milhão de caracteres?

Por último, gostaria que todos lembrassem que, sendo um produto e um projeto, livros possuem um prazo, custam uma fortuna para serem publicados (50% do valor da capa pertence, via de regra, à livraria + distribuidor, não à Editora!); livros requerem um editor, um tradutor, um copidesque, um revisor final, um capista e outras pessoas, como gerentes de projeto, pessoal de controle de qualidade na gráfica….

Por último depois do “último” acima (minha cara!) eu teria a dizer que até posso escrever, em meu site, que EU “não gosto” de um livro. Entre o “gostar” pessoal – ‘odiar’, verbo também intransitivo! - e o ato de publicar uma resenha critica há enorme distância.

Uma resenha crítica pressupõe que o resenhista ao menos saiba que existe uma cadeia de produção envolvida. A cadeia é sempre perfeita? Não, porque o que produzimos não é coca-cola, algo que possa ser submetido a métricas precisas e passe por máquinas sofisticadas, caras e … repetitivas. O livro de Jobs é perfeito? Suponho que não seja e não acho que ninguém esteja além de críticas, mas acho que é importante ter bem claro o que está sendo criticado e como se critica.

Ler o original. Comparar com a tradução. Saber como e por que uma capa funciona. Entender a dinâmica do mercado, saber que há prazos, que papel custa dinheiro, que isso tudo se reflete no valor final de um livro. No final, é só ter tudo isso em mente ao escrever uma resenha, porque aí eu acho que é possível ser justo com os profissionais envolvidos.

Mas estou falando daquela coisa chata de “conhecer o assunto”. Talvez não esteja mais na moda, ou talvez seja mais rápido dizer que “é um lixo”. Não?

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O “lixo” do Steve Jobs, traduzido por mim, trabalhado com atenção pelos profissionais da Ediouro, está há meses nas primeiras posições da concorrida lista de “Mais Vendidos” da Livraria Cultura, segmento Administração. Hoje, 4 de janeiro de 2010, está logo abaixo de “O Monge e o Executivo” e “Pai Rico, Pai Pobre”, dois fenômenos de vendas. É uma lista parcial, mas séria e confiável.

A lógica dita o seguinte argumento: OU o livro / a capa / a tradução / o original não são tão ruins quanto foi dito no tal blog que não cito (Google e Bing, está tudo na rede) OU a crítica feita no blog ignora que o suposto “atentado contra o bom gosto” foi lido, apreciado e recomendado por todos os leitores que compraram e recomendaram o livro para outros.

Retomo em outros posts o que não tiver sido dito nesse, e agradeço a paciência e interesse de quem leu até aqui.

PS - Deixo aqui, para os que se interessarem em outra opinião, um link para um post gentilmente publicado por Danilo Nogueira no blog “Tradutor Profissional”, ainda sobre este assunto.

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