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Terça-feira
mar092010

Sobre o Trabalho do Crítico: a bela citação do Ratatouille

Um amigo de web de longa data acaba de mandar um twiiit dizendo que eu sou “do contra”. Ele leu, no artigo super-pró-Bing que escrevi hoje, mais as críticas ao Google do que o propósito do artigo em si, que era falar coisas boas sobre as fotos do Bing.com.

Tudo bem, concordo com o que Derrida disse sobre o ‘parricídio do texto’ [*]: quando colocamos um texto para fora, quando publicamos, ele se torna “ele” - não é “nós”, não é mais “o que eu, autor, quero” e, neste sentido, nós, autores, não ‘sabemos’ mais sobre um texto do que os leitores.

Fiquei pensando, mais uma vez, sobre a enorme facilidade que há em escrever na web – ou nos jornais – criticando absolutamente qualquer coisa. Criticar é encadear adjetivos e imagens de forma criativa e, como muitas vezes o resultado é engraçado – e como o sucesso de poucos desperta a inveja de muitos –, críticas são mais fáceis do que elogios.

Lembrei do monólogo belíssimo, no final de “Ratatouille” (vamos lá: um filme emocionante, lírico, filosófico, libertário; um belo roteiro, excelente animação, brilhante realização da Pixar, ótimas idéias … é tudo verdade, mas não é um “bom texto” se eu disser assim!, tem que ser muito mais do que isso para que eu possa dizer algo sério e realmente bom sobre Ratatouille, em grande parte porque o filme continuará sendo muito melhor do que minha escrita).

O monólogo é sobre a crítica. Anton Ego, “crítico de gastronomia”, com esse nome tão adequado, diz algo que poderia ter saído de qualquer ensaio de um literato, um filósofo, um pensador. Veio em formato mais acessível através deste filme concebido por vários pensadores e eu os admiro por isso:

Em muitos sentidos, o trabalho do crítico é fácil. Nos arriscamos muito pouco, mas ainda assim nos colocamos numa posição acima daqueles que oferecem [apresentam] seus trabalhos e seu próprio ser para nosso julgamento. Prosperamos e crescemos com base em críticas negativas, que são divertidas de escrever e de ler. Mas a realidade amarga que nós, críticos, precisamos enfrentar é que, numa perspectiva mais ampla, qualquer porcaria medíocre possui mais significado do que uma crítica que assim a designa. Há, contudo, momentos em que um crítico precisa arriscar algo, e este momento consiste na descoberta e na defesa daquilo que é inovador. [**]

Já li muito. Estudo muito e penso ainda mais que estudo. Poucas vezes li algo mais pungente, belo, profundo e ponderado sobre a função e os limites da crítica.

Embora eu não seja, hoje, capaz de fazer uma crítica positiva apresentando soluções para tudo o que me incomoda no monopólio informacional que a Google tem se tornado mas, ainda assim, ache importante chamar a atenção das pessoas para as sucessivas operações de “tomada de poder” desta empresa, vou tentar me lembrar que tenho, como tantos outros, um lado Anton Ego que precisa sempre redescobrir a si mesmo encontrando, pela vida, “ratatouilles” que nos lembrem quem somos, o que fazemos e por que escrevemos aquilo que tentamos escrever.

Por estas palavras e infinitas imagens que hoje fazem parte do imaginário de tantas pessoas, por ousar inovar numa indústria que estava engessada, agradecimentos sinceros à Pixar e à comunidade de criadores que a formam e a mantêm, viva e orgânica.

CDC

 

[*] Para quem gosta de referências, o trecho de Derrida está no início do ensaio “La Pharmacie de Platon”. Ou, ao menos, é onde lembro que esteja!  ~;0)

[**] Traduzi eu mesmo a citação do inglês. Só depois lembrei que o filme foi dublado, mas fiquei com preguiça de procurar a citação em português. Não é, contudo, uma crítica à mesma.