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Das internas

Entries in arte (7)

Quinta-feira
dez082011

o q nunca foi nem será só seu

vou me desdobrar em várias respostas. uma coisa me ocorre muito de cara: a contracapa do (meu livro de poesias) “Sala de Espelhos”:

vou escrever este livro inteiro para você, entretanto
vc sabe q será lido por todos e
q nunca foi nem será só seu; q nada do q digo aqui
é dirigido a vc, pq isto não é uma carta, pq
nada tenho para vc, é tarde demais. mas queria q soubesse,
pq agora q estou vivo tenho tanto a dizer, ainda qdo vc não venha
a me dizer as coisas q quisera ouvir. ainda qdo olhar se veja projetada
aqui não me venha pedir explicações não interprete
palavras, all that is seen
or seems is just a dream
within a dream, isto é
apenas uma sala de espelhos
num circo de vidas
ceci n’est pas une pipe
e nem mesmo representa um.

“comunicação”, vc me diz, no entanto este texto ressoa
apenas tuas próprias palavras: nada do q eu disse, nada
do q quisera dizer: nenhum som foi
possível aqui.
tenho um comentário sobre o que não está escrito nesta poesia.

a primeira parte é ao mesmo tempo uma carta de despedida para um amor perdido
(como eu teria escrito agora, se estivesse inspirado como estava naquela época)
mas é também o paradoxo que eu acho que quase todo texto tem:
eles (textos) existem, na cabeça do autor, em função de alguma coisa,
são (por vezes) dirigidos a alguém ou provêm de algum ‘fato’,
por mais que tornemos as coisas ficcionais, por mais que seja um fato imaginado;
além disso, sei que cada um terá uma leitura própria mas, paradoxalmente,
o livro publicado não ‘pertence’ mais ao autor nem a um leitor - ele é a soma de tudo
o que quiserem ler nele, e as leituras transcendem qualquer ‘desejo’ do autor quanto a dizer isso e aquilo;

daí a ideia seguinte, de que cada leitor se projeta na leitura, e os textos viram espelhos,
então, de certa forma, o “sentido original” do que eu possa escrever
fica sempre “por trás” daquilo que cada um vê ali, fica oculto pelas palavras,
embora só elas existam - palavras - e só elas ‘falem’ num livro.
mas não é a mim que cabe explicar nada, eu só disse aquilo que disse,
e eu só disse aquilo que você possa ter lido.

o que vem depois não é mais nem carta nem está falando com o leitor,
é minha tese de doutorado escrita em umas 6 estrofes,
quando eu cito ao mesmo tempo Poe e Magritte e, citando os dois,
com umas poucas palavras no meio eu falo sobre
minha teoria de que a linguagem não pode ‘representar’ nada,
que há uma distância intransponível entre a coisa-em-si (lá na Filosofia)
e nossa representação dessa coisa, e que, dream within a dream,
estamos para sempre presos nessa cadeia de remissões,
nessa (outra) sala de espelhos.

o quadro de Magritte é aquele famoso, em geral chamado mesmo de “Ceci n’est pas une pipe”,
http://en.wikipedia.org/wiki/File:MagrittePipe.jpg
mas Magritte o chamou de “A traição das imagens”, e, até onde consigo pensar,
ele olhava para a mesma coisa que eu olho (como teórico) :
o quadro é só a representação do objeto, nunca o objeto em si,
e aquela representação não contém *todo* o objeto - há muitas variações possíveis
em torno do cachimbo.

(incidentalmente, Magritte gostava muito de Poe, mas ninguém nunca vai saber
se foi por isso ou não que eu citei Poe junto a Magritte na poesia;
na verdade, uma vez que existe uma remissão, não me cabe dizer se
fiz de propósito, se só percebi depois ou se, como Magritte, eu também vejo ecos de Poe
aqui e ali)

e a ‘tese’ termina enunciando o paradoxo que em geral se coloca:
se um leitor só vai encontrar no texto aquilo que ele traz consigo,
se o texto é incapaz (no limite) de enunciar algo distinto da leitura,
então o que chamamos de “comunicação” é falso.

como no quadro de Magritte, contudo, o paradoxo da poesia (e do livro)
está no fato de que Magritte obviamente pintou um cachimbo e eu
obviamente
escrevi um livro.

(deixo vocês com a imagem do Gato de Alice, bem Schrödinger…)
Segunda-feira
abr112011

Keith Jarrett, Municipal, Rio, 9 de abril de 2011

quando você sabe que um improviso terminou? se você toca um instrumento solo, quando você diz ‘acabou’? como você ouve um improviso, um solo, e diz ‘isso foi muito bom’, ou, pelo contrário, você pensa ‘não teve foco’?
levei anos para chegar a estas perguntas. espero que não haja uma só resposta para elas: John Cage escreveu: “vocês me perguntam qual o propósito da Arte; se houver um só propósito e 100 artistas, o que os outros 99 ficarão fazendo?”. é uma das coisas mais relevantes já ditas sobre Arte; não lembro das outras 99 agora.
um improviso termina com um sentimento de ‘closure’, fechamento. isso vale para um texto, um romance, um filme.
quando eu toco, quando eu escrevo, digo que ‘acabei’ (de improvisar, de colocar idéias em um texto) quando um conjunto de sentimentos-sons-palavras parece ter se esgotado. qualquer coisa ‘depois’ me soaria redundante.
você diz que um solo do Keith, ou de qualquer outro músico, foi ‘muito bom’ quando você tem tempo de estrada suficiente para ver uma estrutura (reconhecer padrões) no solo; ver que uma estrutura  - uma música, um tema - foi desenvolvida e, em certo momento, atingiu um ápice, para, depois, chegar a seu fechamento.
eu sei: não é possível dizer como descobrir um ‘padrão’ em um solo, nem definir qual ‘estrutura’ Jarrett estava desenvolvendo a cada peça que tocou; o ‘ápice’ pode ser sentido pelo Municipal inteiro como um “aahh!”, mas não pode ser escrito. e ‘fechamento’… não é ‘quando termina’, mas sim quando você sente, dentro, que algo foi concluído: acabou. aplausos.
a impossibilidade de definições permite que haja várias formas de música, permite a pluralidade que a cultura de massa tenta sucessivamente negar. a cada solo, a cada improviso que nunca se repetirá, Keith Jarrett nega a música como linha de montagem que nos ensurdece, hoje.
preciso dizer duas coisas antes de ‘concluir’: ao entrar no palco, na primeira peça, e, mais uma vez, num momento de irritação durante a segunda metade do espetáculo, Keith puniu a plateia com uma cacofonia desagradável de sons; foi constrangedor, como uma criança dizendo palavrões gratuitos, mas suponho que, naquele momento, tenha sido a forma que ele encontrou para dizer “seus imbecis, eu estou aqui tentando lhes dar algo de belo, algo único, algo que é parte de minha alma e vocês estão tossindo, falando besteiras, alguém tirou uma foto, vocês são crianças mal educadas e eu vou punir vocês”. considero-me punido. (e, não, não adianta argumentar que ‘aquilo’ era música - não era não. era a versão tecnicamente melhorada dos exercícios que faço para aquecer as mãos antes de tocar; perdemos pontos, todos, por não ficarmos em silêncio sepulcral depois da bronca dele para que ele soubesse que, sim, entendemos que havíamos sido punidos)
a outra coisa é que, embora várias peças curtas foram belas, houve apenas duas em que Keith conseguiu alcançar o nirvana musical que tantas vezes ouço nos discos dele, nos improvisos mais longos - o momento em que você percebe que a música foi ‘além’, que houve uma mágica para além da brincadeira de improvisar no formato de um blues de 12 compassos; em dois momentos as Musas se fizeram presentes, deus estava ali, Universos foram criados e existiram durante alguns segundos, o inconsciente coletivo foi tocado. nomes não importam, conceitos não importam, só a música dele importa.
ter estado presente nestes dois momentos é algo que meu ingresso nunca poderá pagar, é um privilégio, é compartilhar por instantes o olhar de alguém capaz de nos mostrar um mundo mais belo.
pouco provável que eu possa agradecer pessoalmente a Keith Jarrett pelo que ficou dentro de mim após aquele concerto, mas posso, ao menos, improvisar usando palavras para dizer a outros parte do que senti.
só este texto não basta, mas este texto é só o que consigo dizer, aqui, agora.

Segunda-feira
dez202010

As Crônicas Australianas 5 – iPod, flanneurs, irrealidade, Urbis et Orbis

E outras palavras no gênero. O que vou começar a escrever, sabendo que vou ter que parar no meio (há um jantar; alguém virá me perguntar algo; o tempo irá acabar; terei que dormir e vou publicar o conto antes disso; etc), é uma vereda dentro de um vasto jardim do qual conheço algumas bifurcações.

Ou vou escrever algo que posso bifurcar em sentidos muito diversos, o que eu talvez faça, mesmo que pare no meio.

Começa assim:

Há muitos iPods e iPhones em Sydney. Quem não tem um tem um Blackberry ou algum outro dispositivo similar. Como a cidade é segura, as pessoas andam nas ruas, nos metrôs, nos shoppings e em qualquer outro lugar obstinadamente conectadas aos seus iThings. O que eu me pergunto, então, é algo simples: onde estão as pessoas que não estão presentes quando ficam presas por uma tela de iThing?

Mas isso é só a pergunta. Para entender a pergunta, é preciso ler um outro texto meu, que começa assim:

Anos atrás, em algum momento que não me importa, quando eu já considerava que a suposta discussão sobre “o pós-moderno” era, em si, ultrapassada e deveria ser superada por algo mais interessante, alguém surgiu com o conceito de “supra-modernidade” ou “ultra-modernidade”, um conceito vazio que parece indicar que nós “passamos” da Modernidade (o que é óbvio) ou que nossa existência é uma espécie de grande ápice – o quarto movimento da Nona Sinfonia – da Modernidade (o que me parece absurdo por motivos que eu levaria uma tese para explicar).

Talvez Marc Augé tenha criado o conceito de “não-lugares”. Talvez Baumann o tenha feito. Talvez um tenha pegado coisas do outro – não me importa muito porque …. Baumann, Augé… não me interessam muito. Supostamente um aeroporto, ou talvez mesmo um elevador, seriam “não-lugares” porque, se em me lembro do que foi dito, nunca são “ocupados” de fato, são locais de trânsito.

Eu acho a premissa deslocada: estamos em trânsito pela vida. Como é que um lugar se torna um “não-lugar” porque é “de passagem” e como alguém determina para quem aquele lugar é ou não trabalho, parte da vida cotidiana, momento de prazer ou qualquer outra coisa? E, mais que isso, o que o lugar em si tem a ver com isso, uma vez que faz parte – necessariamente faz parte – de uma topologia?

(Dizer isso significa dizer que “todo lugar ocupa um lugar específico em relação aos outros lugares”; uma decorrência lógica é que, uma vez construídos, todos os “lugares” humanos são, justamente, lugares. Saber se um deserto é ou não um “lugar” é completamente diferente mas, ainda assim, se notamos que um deserto de alguma forma é marcado por uma “ausência”, então sabemos dizer que tipo de lugar um deserto é.)

Um dia escrevi algo que posso ou não ter publicado dizendo que tudo, absolutamente tudo que existe e com o qual interagimos (guardem esta palavra-conceito: interagir) é um lugar. Pelos motivos explicados acima, entre parênteses para deixar claro que é mais importante que o resto todo.

De volta a Sydney, retornando ao início deste texto, eu comecei a pensar que agora de fato temos outra forma de “estar” nos lugares públicos (e também em casa, mas é outro assunto, embora próximo) que, desta vez, me parece transformá-los em não-lugares.

Novamente, minha pergunta (que vai bater lá na “Cibercultura” do Pierre Lévy, com quem tantas vezes discuto mentalmente ou já discuti ao traduzir dois ou três livros) é o que muda na percepção de espaço, na apreensão (& compreensão) do que está em volta, quando você essencialmente está com a cabeça fora daquele lugar?

Sem nada das coisas tecnologicamente complicadas de Matrix ou qualquer filme de cyberficção, estamos todos conectados à Grande Rede, e estamos todos interagindo uns com os outros digitalmente através de nossos aparatos. Mas, já que casualmente citei Matrix,o filme – e adoraria que Tron tivesse tido um mínimo de percepção sobre o que está em jogo nos jogos de Tron, mas eles não tinham idéias, só efeitos muito repetitivos -, acontece algo similar: quando você se conecta à Grid, você está fora do “mundo real”.

Quem entrou no trem? É final de tarde e a luz mudou: como está a luz agora? Aquela nova loja peculiar de objetos estranhos, você notou? Atrás de mim há três pessoas falando espanhol; duas outras são australianas; à minha frente estou tentando “separar canais” para saber se falam holandês ou alemão, que eu não falo mas consigo reconhecer se houver um pouco de silêncio.

Como noto isso tudo se meus olhos estão digitando SMS’s ou e-mails ou se estou vendo páginas da web ou ouvindo música olhando para baixo?

E, antes que eu me vá, fica a pergunta: o que mudou em relação à época em que as pessoas viajavam de ônibus, metrô ou o que fosse ouvindo um Sony Walkman (se cuida, Apple: o Império dos Walkmans foi muito mais longo do que essa breve existência das iThings e, assim como vocês, Apple, a Sony acreditava ser imortal, como império – corte para o museu onde fui ver os Guerreiros [de Terracota?] da China e

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Segunda-feira
out182010

“Mais respeito que eu sou tua mãe” (a peça): seriamente, qual é a graça?

[17 outubro 2010]

Prezados leitores & amigos: recebi comentários de duas pessoas próximas falando sobre minha resenha crítica desta peça. Li o texto novamente e cheguei à conclusão que eu ‘passei um pouco do ponto’: o tom não está correto e a forma como escrevi as coisas ficou ‘tacanha’.

Não gosto de ser tacanho, por isso retirei o texto do ar até conseguir encontrar uma maneira mais bem humorada, talvez mais ‘sábia’, de refletir sobre a peça e sobre uma certa forma de humor que parece estar em voga.

Peço desculpas se alguns leitores se irritaram com o texto original - escrever não é (nem deve ser) uma equação matemática.

Retomo o assunto em breve, portanto.

Obrigado.

Quarta-feira
ago252010

A falácia da Googlewikiobjetividade

Lembrou-se de que os sonhos dos homens pertencem a Deus e que Maimónides escreveu que são divinas as palavras de um sonho, quando são distintas e claras e não se pode ver quem as disse.

Borges, Ficções [5]

 

O que me importa, nessa citação de Borges, além de ser incrivelmente bela (e o resto do conto potencialmente irrelevante face à potência da escrita de Borges nestes momentos de clarividência sobre o Universo, o Imaginário, o Sonho e a Escrita), é esta passagem extrema: são divinas as palavras de um sonho, quando […] não se pode ver quem as disse.

Meu ponto sendo que a Web, ou o que vou começar a chamar de “pensamento googlewikipédico” – um ultrarreferencialismo hiperabrangente -, assim como o conceito de referencialidade na escrita acadêmica em Humanas [7] e, no final, todos os sistemas de referência a que a Escrita por vezes se vê submissa são uma redução dessa divindade, uma tentativa de aniquilação do sonho, do imaginário e do ficcional. Para escrever, para transcender a escrita imediata dos autômatos da googlewikiobjetividade, é preciso praticar esse “não ver quem disse as palavras de um sonho”.

Assim como o Sonho precisa da escuridão (temporária) da Noite, o Imaginário precisa da escuridão (temporária) do Real.

Voltando ao início, porque nem comecei.

O maior problema de terminar um texto é que, quando eu começo, já tenho tantas idéias e ‘caminhos que se bifurcam’ empilhados na cabeça que é quase necessário que eu não termine. Tento resolver o que Borges nunca resolveu e experimento uma escrita necessariamente incompleta (não “aberta”, embora também o seja, mas francamente incompleta) e “em grafo”, para não voltar à coisa batida e nunca resolvida do “hipertexto” [1][3].

O que decidi, agora, foi que este texto nem tentaria terminar, mas provavelmente, nos próximos dias, vou repartir este texto em fragmentos que se bifurquem e espalhá-lo pelo site. Enquanto isso, deixo um pequeno mosaico de coisas para o leitor que quiser passear comigo.

CDC

[1] Tudo é “hipertexto” [3][8], hoje, porque a Web existe e a Web é uma representação do mundo mas é também o mundo-em-si. (De onde o projeto do meu próximo livro.) Achar que existe um “cyberespaço” que não é mais o mesmo que o aqui-agora (suponho que seja como definimos “espaço”) é uma ilusão um pouco perigosa [2].

[2] De onde eu insistir tanto que podemos continuar falando de “ciberespaço” ou de “internet banking” (vulgo “banco na internet”) e que certamente on-line faz sentido e é oposto a off-line. Mas quase nada é “virtual” e continuo não entendendo por que insistimos nesse termo-conceito. [2b]

[2b] A notar que “virtual” se opõe a “real” e a “concreto”. Não sei bem o que faço com o Imaginário, ele parece ter um estatuto a parte ou, pelo contrário, ser algo problematico dentro dos topoi criados por virtual / real / concreto. Preciso retomar isso. [6]

[3] O lugar mais patético para ‘vivenciar’ isso é a Wikipedia. Depois que se perderam completamente (IMHO) do que pudesse ser um projeto interessante de, digamos, um neo-Iluminismo que viesse comentar o mundo, para se tornar uma tentativa tacanha e necessariamente impossivel e falha de mapear o mundo e todas as palavras e conceitos e coisas do mundo [4], bom, um artigo sobre uma série de TV tinha 95 referências [9]

[4] Vide Borges, naquele conto que não lembro mais qual era nem onde está sobre os Cartógrafos de ___, onde havia um mapa que era tão exato que precisava (e pretendia) ser maior e mais amplo do que a realidade em si. A Wikipedia é a mesma coisa, exceto que alguém por lá se esqueceu que o conto era ficcional, potencialmente uma crítica irônica e certamente apontava para uma impossibilidade e um paradoxo. Alguém mande mail para a “Chefia” da Wikipedia, por favor, e peça para que eles retornem a essa coisa desagradável que é o deserto do Real.

[5] Editorial Teorema / Bibliotex, provavelmente: 2000; provavelmente: Tradução de José Colaço Barreiros.

[6] Leitores atentos terão notado que eu intencionalmente não estou falando do livro “O que é o Virtual?” de Pierre Lévy, trad.de Paulo Neves, do qual fiz a revisão técnica e, sei lá, talvez um pouco de revisão da tradução.

[7] A idéia de que as “Artes e Ciências Liberais”, como dizem os gringos, sejam “Ciências Humanas” é ainda pior do que ter esse “Ciências” junto de “Artes”. Que isso venha de uma antiga divisão dos tempos da fundação da Sorbonne, sei lá. Que isso tenha sido parte do ideário positivista dos sécs. 19 e 20, que seja. Que tenha sobrevivido ao final do século 20, deixado de notar o Legado de Brecht, passado impune pelo Surrealismo e pelo Modernismo e gerado os horores que gerou, em crítica literária, crítica, pensamento e Arte, como um todo … eu lamento.

[8] Quando fizemos a revista “34 Letras”, era comum acordo tácito e jamais explicitado, entre nós, projetistas, criadores, editores – “makers” – que a inexistência de qualquer vinculação (a nada) do nome da revista era nossa forma clara de falar sobre o que, na época, não podíamos, não queríamos ou não sabíamos dizer: o pensamento pós-moderno, e como construir dentro dele. O último número da revista, logo antes de ser detonada pelo Plano Collor, era sobre “O Lixo”, se bem me lembro. Mitológico, esse arquivo um dia existiu nos Macs que a revista então usava e, conta a lenda (isso e algumas conversas já antigas com a Bia Bracher), se perdeu em algum momento de não-backup. “O Lixo” tentava falar sobre, nas palavras dos Titãs (que não têm nem tinham nada a ver com isso) “o que não é o que não pode ser o que não é”. Tenho a impressão, por vezes, olhando para trás e tecendo conjecturas amplas, que foi naquela época que comecei a pensar sobre a teoria de topoi, “os lugares das coisas” [9], porque “o que não pode ser” não é um “não lugar”, como gostaria muito que fosse um certo Auger e uma tal Teoria da UltraSupraModernidade; “o que não pode ser” é muito mais antigo, remetendo tanto a Aristóteles, com seus topoi [10], mas também aos conceitos básicos do Estruturalismo, já que Saussure (vamos incluir L-Strauss aqui) fala o tempo todo sobre “o que não pode ser” quando estipula que determinadas formas não ocorrem num idioma porque não podem ocupar o mesmo lugar já ocupado por uma outra forma. É uma simplificação extrema, mas faz parte do pensamento Estruturalista. Causa-me espanto que possa haver uma teoria dos Não-Lugares [11] e que isso seja considerado qualquer coisa além de uma revisão do Estruturalismo, já fora de tempo e fora de lugar. De qualquer forma eu queria apenas fazer uma anotação sobre… é, sobre um monte de coisas que estão nesta nota.

[9] in, mas não exatamente lá, Topoi, Aristóteles. Gostaria de dizer que li o original em grego mas, na prática, li uma bela tradução em português da Casa da Moeda de Portugal.

[10] Embora Aristóteles não estivesse preocupado exatamente com isso, eu é que “remeto” a Aristóteles como se sequer fosse razoável fazê-lo, mais como imagem-sonho de algo que Aristóteles poderia ter dito do que como ‘referência’ – não há referência possível, aqui.

[11] Platão: o que é, é; o que não é, não é. Voltar, então, a discussão sobre o que seria um Ser que Não é? Eu diria o que acho que Platão disse: se um Ser Não É, então ele é da ordem do Falso. Mas, enfim, isso também é simplificar um longo debate sobre como funciona o Ser em Platão, e não acho isso nada trivial.