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Das internas

Entries in carros (3)

Sábado
jul162011

Passa um longo tempo

; como escrevo sobre as coisas que deixei de dizer, como meço as horas mortas?
o que é, em palavras, a experiência da dor real, ou
a experiência redobrada: o real da dor real?

é seco e corta; vou repetir:
(quantas vezes alguém se repete durante toda uma vida ou, colocando ao reverso,
quantas vezes algo em nós é realmente novo?)
são secas e cortam, palavras, horas, ou quando movo a pena sobre o papel -
milímetros entre deixar um traço sensível e rasgar fino o papel com a pena-estilete.

se alguém me perguntasse a moral da história, de qualquer história,
contaria a versão dos ratos: os que morrem, sem saber por que, para que outros vivam mais;
alguém pergunta se é preciso viver mais ou se isso é melhor que não-isso ou
apenas fazemos porque, em algum lugar, é parte de nosso código?

se alguém me perguntasse o que seria uma vida melhor haveria uma resposta a cada dia:
hoje, sete palmos sob a terra, em silêncio;
hoje, a conversa madrugada adentro no quarto de hotel de SP, olhando a madrugada respirar luzes na atmosfera poluída sabendo que ali estava meu livro, depois seria só questão de tempo;
hoje, não ter que enfrentar a cegueira do sol da manhã seguinte;
hoje, de volta em Veneza andando pelo Guggenheim olhando esculturas no outono italiano;
hoje.

se pudesse ter um “instant replay” como no meu jogo, que me retorna no tempo me permite
refazer a curva que errei (quando me destrocei no muro, fragmentos a 200 e poucos por hora)
retomaria o percurso / trajetória lá atrás (quando? mais fácil perguntar que responder, sempre)
e poderia ver de fora,
escolhendo a câmera, para saber onde-quando fiz coisas estranhas que então eu mudaria:
frear, escolher outro rumo, não ultrapassar em momentos ruins, não colidir, fazer uma breve pausa:
a lista de gestos recusados é sempre muito maior que as coisas realizadas de fato.

(em outro momento)
retomo.
recomeço.
reescrevo.

Terça-feira
mai242011

carros: design cut & paste

não conseguia mais olhar para os carros sem ver outros carros em cada um deles. saíam modelos novos, mas aquilo que ele começou a chamar de “escola de design frankenstein”, ou “multiplicação do Mesmo”, se espalhava.

a frente de um carro era claramente copiada do modelo de sucesso de outra montadora. os faróis e lanternas tinham “modas”, e colocá-los mais para fora - onde quebrariam mais facilmente, dando retorno nas peças de reposição - ou mais para dentro - onde não contribuiriam tanto para o design, me contou alguém, mas era um lugar muito mais sensato … isso virou moda.

ficava imaginando: “na passarela, o novo modelo XPTo 2009 - notem o retorno dos detalhes em cromo na traseira, a tendência mundial de vidros recurvados, as rodas com porte esportivo e a frente bem curvada, última tendência em Milão”.

era quase assim.

e as linhas - todas roubadas. a tal ponto que não dava mais para saber o que tinha sido roubado de quem: estava ficando tudo igual ou, pelo menos, reduzido a quatro ou cinco tipos básicos, “categorias”, sei lá: SUVs monstruosos (“meu pau é do tamanho do meu carro”, ou “qualquer coisa menor que isso e fico inseguro nessa violência urbana”), ultra-sedans com preços de apartamentos (“olha, um Volvo S900, ele é mais caro que um apartamento de dois quartos em qualquer lugar menos o Leblon!”), compactos (“eu até tinha mais dinheiro, sabem?, mas acho que não preciso de nada maior que isso e também não sei parar muito bem nas vagas”), versões esportivas de tudo o que está aí em cima (é importante ser esportivo nos engarrafamentos, as pessoas vão olhar) e uns troços realmente baratos, que ele jurava que eram projetados por estagiários com base nas embalagens de leite.

ficava pensando quando é que voltariam a ter apenas um carro, igual para todos - um Modelo T v2010. algo como o ultracapitalismo mundial realizando o sonho do utilitarismo equalitário do antigo Bloco Comunista.

“mais cinco anos e chegamos lá”, pensou, avançando mais 10 metros em seu Modelo T, cinza-padrão.

Terça-feira
dez212010

As Crônicas Australianas 6 – O trânsito pirado pirante da Austrália

Quando cheguei à Austrália, uma das primeiras coisas que me disseram foi: “toma muito cuidado ao atravessar a rua”, porque aqui é mão inglesa e, se você morar num local careta, como os EUA, você de fato vai ter problemas até se acostumar a inverter o reflexo antes de atravessar as ruas.

Mas eu venho do Rio. Sabe para que lado olho? TODOS. O que é ótimo, porque o trânsito aqui deve ser uma das coisas mais esquisitas do planeta (elaborei uma teoria sobre estarem todos bêbados em um pub quando fizeram o código de trânsito local, mas é só uma teoria) e as pessoas podem fazer tudo. Por exemplo: você está no cruzamento da Rio Branco com Presidente Vargas (ou duas avenidas muito grandes, genéricas, para quem não mora no Rio) e resolve que “vai entrar à esquerda”. Balão? Retorno? NÃO!, você pára o carro no meio da rua, espera não vir ninguém na contra-mão e você se joga para o outro lado.

Então cada sinal aqui tem uma espécie de “matriz de modulações”, com 12 combinatórias, sei lá, e alguma hora, quando ouvimos o que apelidei de “som da galinha feliz” - todo sinal, TODO mesmo, tem dois sons, para auxiliar os deficientes visuais, o que acho fantástico; mas que é um som de galinha feliz, bom, é sim… – você atravessa.

Você está de carro e quer parar num restaurante, mas só tem vaga do outro lado da rua. Simples: você vira no meio da rua, faz quem estava vindo na outra mão esperar enquanto você termina de fazer o “U turn” (curiosamente permitido nos EUA, mas várias vezes não) e coloca o carro na vaga.

Ah: os ônibus se comportam mais ou menos como no Rio, exceto que só abrem e fecham portas no ponto, e os taxistas andam bem mais devagar, sempre com GPS – porque, ao contrário de Londres, eles não sabem nem quais são as ruas de 5 quarteirões à frente do lugar onde fazem ponto – só que alucinados. Hoje um ficou parado na rua fechando o caminho de um ônibus daqueles articulados, enorme, e eu não entendo como não sai briga. (Alguém xingou alguém, contudo, só não sei dizer quem estava “certo” porque os dois estavam fazendo besteira…)

É insanamente impossível entender as regras, é esquisitíssimo ver os caras dirigirem e eu nunca vi gente tão atolada para colocar carro em vaga. Tudo bem que americano acha o tal “parkeamento paralelo” super-difícil, e nós aí no Brasil colocamos uma jamanta em qualquer vaga onde caiba um Fusca sem problema algum. Aqui, tendo andado em carros de amigos apenas três vezes, já me pediram para descer e ajudar a entrar em vagas duas vezes. Pergunta se eu, com meu poderoso inglês de tradutor veterano, sei como se diz “vai, desfaz o jogo, agora vira tudo e vem reto”.

Agora eu preciso partir para um tema bacana que tem a ver com esse: carros esportivos fantásticos com motores enormes, preços normais e mulheres incríveis dentro deles.

Próximo post!