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Entries in cinema (3)

Sábado
set112010

Violência & Literatura ao longo da História

Prometi a meu bom amigo Luis, do Janela Lateral, que transformaria em ensaio (que ele vai enviar e eu vou publicar aqui, na minha “versão expandida”) um comentário que fiz esta semana sobre uma newsletter dele em que o assunto era a visão de Huxley e Orwell sobre distopias. 

Este é meu primeiro prólogo ao assunto – uma reescrita de um texto original de uma grande pensadora que jamais desejou se publicar (nunca entendi por que, mas respeito o desejo dela). Entretanto, a essas alturas, há muito em mails.

Leiam em itálico. O texto não é totalmente meu, mas retrabalhei muitas coisas (e a teia de teias com filmes é muito a minha cara, minha escrita).

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O que pensei é que através da história o grande meio de se falar da violência sempre foi a literatura.

Na Teogonia, de Hesíodo, já há todo um discurso sobre o poder - quem detém o poder e como você pode ser castigado se não for muito esperto. Lutas familiares em torno da divisão das terras já existem em Os Trabalhos e os Dias, também de Hesíodo.

Homero nos fala do estabelecimento do poder no mundo helênico - os senhores das guerras, as alianças entre as Nações-Estados. Tróia é uma cidade mítica que a maior parte dos estudiosos acreditam nunca ter existido historicamente – metáfora, símbolo, meme.

As tragédias gregas da fase clássica nos relatam as brigas entre pais, filhos, soberanos, vassalos, estado, cidadãos. Discute-se o direito da Pólis e o lugar do sagrado  em Antígona; Édipo mata o pai, toma seu trono e depois arranca seus olhos para não ver o que tinha feito: usurpou o trono do pai e não ouviu o oráculo. O incesto, talvez ponto central do texto, hoje, não parece ser o que mais horrorizava os gregos.

A Bíblia do Antigo Testamento é de enorme violência. Não poderia ser filmada, hoje, e seria muito mal recebida como obra ficcional por seu caráter preconceituoso e pela crueldade. Só há um Deus verdadeiro em nome do qual as mais diversas atrocidades são cometidas, mas tudo bem, Deus justifica tudo, há um Propósito. Não saímos muito disso em 2000 anos – em vez de pedras, jogamos Tomahawks, contudo.

Na Idade Média, os trovadores encontravam meios de burlar a censura para falar do amor e do erotismo, ainda que sujeitos a determinados códigos. Muitas coisas que não podiam ser ditas eram transmitidas em forma de código nas artes – música, poesia, pinturas, esculturas. Leonardo escreveu muita coisa espelhando a própria escrita para não ser descoberto e Galileu usou retórica para se livrar da Santa Inquisição.

Um pouco antes, na fundação do imaginário anglo-saxão (e normando, e bretão…), as lendas arturianas nos falam de justiça, da busca pela Verdade, do amor, da prepotência. Na Távola Redonda, Artur – o Rei - e seus companheiros se reuniam como iguais em torno de uma mesa, numa volta à Ágora ateniense, em que uma elite de guerreiros tinha o direito a voto.

Temo pelo dia em que refilmarem o Rei Arthur com o Russel Crowe no papel de Arthur e prefiro ficar com a figura perturbada do Arthur de Excalibur, dirigido pelo John Boorman em 1981, mágico em sua releitura de Arthur; Merlin e Morgana são dois personagens formidáveis, maiores que o filme. [1]

Passamos para Cervantes e o romance de cavalaria, combatendo moinhos de vento, Quixote como o paradigma da utopia, mas Quixote era louco e, quando recobra a lucidez, desiste das lutas (?).

Shakespeare com suas tragédias bárbaras retoma o longo thread da violência, do estado, do poder, do sexo, dos ciúmes, dos conflitos e paixões e da amizade e traição e usura… Há algo que Shakespeare não tenha mencionado?

Não sei qual das tragédias é mais terrível. Ricardo III, por ter nascido feio e coxo, se acha no direito de fazer tudo o que pensa para atingir o poder que não se quer ameaçado; Macbeth, em que o casal se junta para dizimar todos que servissem de empecilho para a tomada do poder, em que os crimes eram tantos que Lady Macbeth não podia lavar o sangue de suas mãos. Titus Andronicus, um filme de terror em que os inimigos servem de um lauto banquete e a crueldade nua do texto serve para marcar melhor a sordidez e a violência da época. Há mais, porém não haveria espaço.

Camões escreve seu poema épico, conquistas e conquistados, a arrogância de Inez, que só pode ser rainha depois de morta.

Teria que mencionar De Sade, o Marquês que foi mais longe do que qualquer coisa que possamos pensar, hoje, e possamos admitir como possibilidade de escrita, hoje, mas De Sade será um capítulo à parte em minha tese.

Os séculos vão se passando e a violência pode estar mais encoberta ou pode ter se individualizado em serial killers ou se banalizado em thrillers nos quais “tudo explode”, então já não importa mais. Ainda assim, há uma veia aberta que permanece – corre sangue, true blood.

Nem sempre os escritores são queimados, mas queima-se a sua alma, os seus livros. Livros e bibliotecas sempre foram queimados – Alexandria, ao que parece, por um engano, omissão ou detalhe técnico -, mas há sempre um exemplar que se salva.

Os livros, a palavra, as narrativas continuam a ser ainda a maior forma de SubVersão.

Glória / CDC 2008 ~ 2010 [em andamento, suponho]

 

[1] Nada a ver com o artigo, mas o casting de Boorman é um daqueles que deixam um cinéfilo meio aturdido: não vou listar todo mundo (o IMDB lista), mas eu lembro que Liam Neeson estava lá; diabos, Helen “The Queen” Mirren estava lá, belíssima; e, mais fascinante para os trekkers, Patrick “Captain Picard” Stewart faz o papel de Leondegrance.

Quarta-feira
set012010

Evento da Apple, iTunes 10, nova Apple TV

Acho curiosa essa coisa de poder ver a transmissão ao vivo de um evento sem precisar de TV - estou vendo parte da apresentação de Jobs, fisicamente em São Francisco, no meu iPad, fisicamente no Rio.

As TVs a cabo estão mortas, eu já disse antes, e DVDs em Blu-Ray se tornaram uma piada cara (para os fabricantes) porque nasceram fora de época, e nasceram mortos. Não me entendam mal: o formato de vídeo HD vai viver, em grande parte porque a qualidade de vídeo em HD é muito melhor, mas também porque as Corporações Transnacionais não conseguem nos vendem TVs de LED caras sem que haja um formato HD para elas. A mídia, contudo, tornou-se irrelevante: “disquinhos” ocupando espaço, pegando mofo e arranhando? Nah… para o lixo!

Assim como ninguém mais precisa de CDs físicos - pen-drives e HDs são muito mais práticos -, ninguém precisa de DVDs físicos. Hoje, é possível fazer streaming de quase tudo pela Web e a questão é ter uma banda de internet “larga” o suficiente para que o streaming possa ser feito em tempo real ou, se for necessário armazenar algo localmente - em um HD -, que isso não demore séculos.

A Apple acabou de jogar uma pá de cal muito séria ao lançar, hoje (1 de setembro de 2010), a Apple TV decente a U$99. Estará disponível nos EUA em 4 semanas - portanto, em início de outubro. 

A idéia bacana da Apple foi entender que a Web é a mídia e que aquele HD interno bizarramente caro e idiotamente quente que havia na Apple TV antiga era irrelevante nos sistemas domésticos distribuídos atuais onde tudo fala com todo o resto via WiFi, e onde qualquer computador da rede de casa pode transmitir um filme por WiFi para o LCD da sala.

Faltava, justamente, tirar o maldito computador da sala. O conceito de “entertainment PC” era completamente inadequado, ninguém precisa de uma CPU e, pior, um sistema operacional de PC (ou Mac - enfim, de “computador”) rodando para dar play em um vídeo e, para os que jogam, é bem melhor ter um Playstation ou um XBox ou um Wii. Sem discos-rígidos, sem sync e sem “repositório” na sala, então.

O novo (dispositivo) Apple TV fará streaming de vídeo da Web a $0.99 para seriados e também filmes. Pode passar vídeos transmitidos de um iPad ou de qualquer computador da casa (o que faz todo o sentido do mundo) e pode pegar conteúdo do Netflix. Quando e como os acordos de distribuição vão chegar no Brasil, não sei - ainda nem resolvemos a parte de música, por atraso mental do que sobrou da indústria musical, por contratos arcaicos e por sei lá qual motivo burocrático que realmente desconheço.

Voltando.

A nova Apple TV - facilmente imitável como dispositivo, então o que está em questão é a conveniência do novo iTunes e os acordos da Apple para distribuição de conteúdo - acaba com o besteirol do “sync” e, talvez mais importante, o modelo financeiro passa a dar ênfase ao aluguel de conteúdo, e não às vendas. Parece que nem todos os estúdios aderiram ainda, segundo o que ouvi Steve Jobs dizer, mas não aderir me parece tolo e insensato, embora seja a cara retrógrada da indústria cinematográfica, que ainda pensa em “vender disquinhos” e, ao pensar assim, corre rápido para o mesmo precipício em que afundou a indústria musical.

O modelo comercial de tudo mudou agora que existe a Rede. Gostando ou não, vive quem entender isso, desaparece quem não funcionar dentro disso. (As regras não são minhas - a Rede, assim como o resto da Realidade, apenas “é”. Podemos mudá-la, mas ela existe como existe porque nossa sociedade pensa como pensa.)

Por que eu acho o novo modelo vantajoso para os produtores de conteúdo? Porque reduz a pirataria. Qualquer modelo baseado em streaming, não permite - ou, na prática, ao menos dificulta - gravar um filme. É, assim, muito melhor para os produtores de conteúdo, já que seu custo industrial cai a zero, a distribuição fica concentrada na Web (está é uma parte essencial de entender - estamos frente a um processo terrível de concentração de distribuição de bens culturais e isso não me parece nada bom) e estúdios, produtoras, “canais” de TV passam a lucrar mais com múltiplos aluguéis. Ao mesmo tempo, dificultam a cópia dos arquivos nas redes P2P, já que não haverá mais arquivos - apenas streaming.

Não dá para falar, agora, sobre o evento da Apple que acaba de acontecer, dos novos iPods e do novo iTunes 10 e ainda fazer uma análise das implicações disso para osistema de produção e difusão de conteúdo, mas eu retomo o assunto assim que ler um pouco o que ainda vai ser publicado na web americana hoje e puder pensar.

Noto, contudo, que a Netflix ganha cada vez mais força e vai, eventualmente, acabar com as locadoras de vídeo, que estão na lista de “futuros bichos extintos”. Não lamento pelo lixo que a Americanas fez com a Blockbuster aqui no Brasil e desejo que eles partam em paz para o éter. Lamento, contudo, pela simpática locadora pequena e muito bem suprida de filmes de arte aqui do meu bairro - neste momento, me parece que a locadora desaparece assim que as pessoas conseguirem dar conta de colocar suas redes de casa para funcionar direito. Não é para a semana que vem, mas não deve demorar mais do que 5 anos, se tanto.

Retomo tudo isso mais tarde.

CDC

Domingo
jun132010

“Eu tenho um sonho…” (e isso pode mudar tudo)

Acordei de um sonho particularmente profundo esta noite. Acordar não foi fácil, porque eu me lembro de muito daquilo que sonho; porque sonho de forma muito intensa; porque aquilo que sonha em mim tem acesso pleno a meus desejos, meus medos e a coisas que, em “estado de vigília”, não me permito pensar. Ênfase na palavra “medo”. Sobre os sentidos de “vigília” [1], basta dizer que vigília e vigiar têm uma raiz comum:

Vigília é o que fazemos durante o dia, vigiando as coisas e vigiando a nós mesmos para não correr riscos.

Sonhar é exatamente o contrário.

Quando escrevo isso, fico me perguntando por que a insistência do Budismo sobre a realidade – a vida da maioria de nós – ser “maya”, um sonho, do qual devemos despertar pela Iluminação.

E se disséssemos que o problema é o contrário?

Se disséssemos que nossa realidade é aquilo com o que sonhamos e que o problema é que nos falta a percepção de que, toda vez que nossa realidade se afasta demais de nossos sonhos, toda vez que não vivemos o sonho [2], perdemos algo, deixamos um pedaço de nossas vidas para trás (vivemos menos, vivemos menor) e algo em nós morre.

Acordei pensando nas coisas difíceis que eu disse ontem numa conversa íntima e pessoal. O que eu disse me incomodou a tal ponto que tive um sonho duro, cruel e incrivelmente lúcido sobre minha vida. Fiquei profundamente feliz e agradecido por este sonho-quase-pesadelo porque, entre algumas dezenas de coisas difíceis de sentir sobre meu passado, presente e futuro que estavam neste sonho, eu estava me dizendo duas coisas muito claras.

A primeira é que não basta sonhar: é preciso viver o sonho.

Viver um sonho de certa forma é “sonhar acordado” ou, melhor dizendo, é ter a coragem de enfrentar a Resistência (interna e externa) e viver os sonhos.

A segunda coisa que entendi, observando o sonho – não pensando sobre o sonho, mas observando o sonho, ou meditando sobre o sonho – foi que, para mim, escritor resistindo à própria escrita, uma tarefa importante é ultrapassar minha resistência quanto a ser um “ficcionista sério” para falar sobre “sonhos”. Não de forma completamente ficcional, complexa e combinada com elementos “literários”, mas como aquilo que eles representam para mim e como influenciam minha vida.

Preciso deixar algo claro, desde o início: nunca “conversei com Deus”. Nenhum anjo encostou em mim, tirando todas as mulheres que amei e aquela que escolhi amar mais que todas as outras. Não “vi a verdade”, eu tenho muitas dúvidas. Não sou guru nem profeta e a única coisa que “prego” é que as pessoas deixem de ter muitas certezas e aceitem suas dúvidas como uma forma plena de viver. Nada caiu sobre minha cabeça, nunca estive próximo da morte, não ‘vejo pessoas mortas’  e não converso com espíritos. Não sou “guru” de nada – a não ser Informática, se tanto, e ainda assim como uma grande brincadeira - e não tenho uma “profunda visão espiritual”.

O que eu tenho é uma vida rica em angústia, dúvidas, tentativas, pensamento. Tenho desejos, sonhos, idéias. Passo um tempo enorme pensando e aceito pensar sobre quase qualquer coisa, o que enche o saco de algumas pessoas que gostariam que eu pensasse sobre uma única coisa e diverte as pessoas que podem compartilhar de meus pensamentos mais estranhos (como quem lê este site, por exemplo). 

Devo a mim mesmo escrever um livro sobre os sonhos, sobre o sonhar, sobre o reino de Sandman; sobre as dúvidas, sobre como viver com a angústia sem se tornar um Filósofo Existencialista (o que pode ser bom, mas não é para todo mundo). E devo fazer tudo isso ainda que tenha um medo profundo de que termine se parecendo com um livro de auto-ajuda porque, na verdade, seja como for que eu consiga escrevê-lo, será exatamente isso.

A imagem mental seguinte é muito significativa e vou terminar o texto com ela: ouvi uma parte de mim dizer: “É como Martin Luther King, não é? Você tem uma idéia para mudar o Mundo, mesmo que essa mudança possa ser apenas com mudar a si mesmo, e em seguida você estará liderando milhões de pessoas e fazendo um discurso começando com “I have a dream…” - eu tenho um sonho” … e todos sabemos o que eu me disse em seguida, não é? Martin Luther King foi assassinado por muitos motivos, mas podemos sempre resumir e dizer que ele foi assassinado porque escolheu viver seus sonhos. “A Resistência” [3] não gosta disso, melhor silenciá-lo.

A outra coisa que eu me ouvi dizer é que Jesus Cristo também foi um grande sonhador. E, claro, foi parar na cruz. Apesar do final de “A Vida de Brian”, do Monty Python, em que os Brian & os crucificados cantam e assobiam “veja sempre o lado alegre da vida”, todos sabemos que ser crucificado é tão ruim que virou expressão corrente para servir de Cristo ou, mais coloquialmente, “ser detonado”.

Apesar destes dois avisos fúnebres, cortesia do meu lado vigilante, resolvi seguir em frente com meu sonho, com todas as dificuldades que sei que ele contém. O que estou fazendo agora, ao escrever o meu livro – e ao decidir que irei terminá-lo de fato, e entregá-lo de fato para que seja publicado de fato – é começar a viver meu sonho.

PS – Sobre as [NTs] deste artigo e outras coisas que não deu para escrever aqui, leia “Um artigo cheio de pós-escritos” – está tudo lá, exceto o que eu tiver esquecido.