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Quarta-feira
mar232011

os excessos da técnica: piorando imagens perfeitas

Luis, da divertida newslist “Janela Lateral” [0], mandou um link para a versão ‘colorizada’ da clássica cena do beijo em NY no pós-guerra, uma daquelas imagens marcantes do século XX que já foi citada algumas vezes pelo cinema e da qual muitos lembram porque a mídia ama a mídia e vive recirculando imagens como esta.

‘Está na Wikipedia’, como sempre: http://en.wikipedia.org/wiki/V-J_Day_in_Times_Square

Luis mandou um link para uma versão colorida da imagem, em http://www.sedentario.org/imagens/um-beijo-classico-colorido-34609 

A primeira coisa em que pensei, vendo a versão colorida, foi “nossa, por que é permitido destruir uma foto clássica assim? por que alguém quer fazer isto e por que isso é colocado em circulação?” [1]. E depois pensei: “mas por que não?” [2]. Foi quando resolvi escrever este texto.

Tenho três coisas a dizer, resumidamente:

a. Obras clássicas, como esta foto [P&B, ‘original’], criam um ‘engrama’, uma marca. Elas passam a existir como coisa-em-si: a imagem da cena se torna mais presente do que a cena (que não teríamos visto, de qualquer forma, não fosse pela foto, que se torna parte de nossa memória coletiva). Em casos como este, digo que a representação se torna parte do Real e substitui um fragmento do Real, em vários sentidos. Em parte por isso minha questão de que uma boa ficção nunca será ‘realista’, porque a boa ficção deve ter a capacidade de transcender o Real para se tornar uma coisa-em-si. Ficção a sério pode se distanciar do Real o quanto quiser - ela vai criar seu próprio Universo, vai criar seu novo ‘lugar’ dentro do Real.

 

a1, resumo simplificado: Fotos clássicas têm o poder de se tornar memórias. Ninguém pode ‘colorir’ uma memória, isso falseia a memória, diminui sua força. A cor não faz parte, esta cor não acrescenta nada.

b. Um detalhe técnico: o resultado ficou péssimo. As cores estão artificiais, nem mesmo estão no plano da imagem - olhos treinados as percebem como uma camada adicional (‘overlay’) imposta ao original. É irritante e incompetente.

c. Se vocês pensarem no que eu acabei de dizer em [b] + [c], o que vem a seguir não é óbvio, mas é possível dar um pulo para entender uma outra pergunta que me faço: “por que, então, acho razoável que alguém reinterprete Shakespeare dentro de uma ultra-contemporaneidade e radicalize em montagens novas, mas ao mesmo tempo recuso uma simples manipulação digital?”. 

A resposta a [c] é simples: quando alguém reinterpreta Shakespeare, ou Mozart, ou refilma um clássico, a operação / o resultado só será bem sucedido se a nova versão tiver densidade (criativa, ficcional, estrutural) suficiente para se tornar um ‘novo original’. É possível fazer arte em cima da arte, mas é ppreciso que haja um acréscimo. “Pintar por cima com quadradinhos numerados”, contudo, é algo que um computador faria (como fez) e não acrescenta nenhum significado, nenhuma dimensão ao original. Pelo contrário, algo se perde, se dilui.

 

Meu último tópico é [d]:

[d] Alguém vai pensar que as garantias contra o direito de copiar - o copyright - deveriam servir para impedir esse tipo de manipulação indesejada. Não penso assim. O que está Lá Fora, na Rede, está Aqui Dentro, no Mundo. Informação na rede será modificada porque a idéia de “mudança” é inerente a um Mundo-em-Rede. Copyright é um conceito arcaico, intrínseco ao sistema de produção & comercialização específico dos século 18 a 20, e sempre me espanta quando acordo e noto que ele continua existindo. 

[d2] O que me assusta um pouco, contudo, é que não há muitos mecanismos na rede para que a ‘nova geração’ - meus filhos - sejam capazes de entender que essa imagem digitalmente estragada existia, antes, em outro formato. Dependendo [apenas] do circuito de disseminação e reprodução viral em que esta imagem entrar - ou deixar de entrar, por recusa sucessiva das pessoas na rede - ela irá se tornar, em pouco tempo, o novo ‘original’.

Meus filhos talvez nunca saibam que, um dia, houve uma foto ‘melhor’ que essa, algo que veio antes. Este efeito de apagamento & reescrita constante é, eu sei, inerente à rede. Se opor a isso é como ir a uma praia reclamar que as ondas apagam os desenhos na areia - o mar não vai mudar, a areia não vai se cristalizar.

Mesmo sabendo que o mar é o mar, a rede é a rede, penso que deveríamos encontrar formas de diferenciar o que “veio primeiro”, ou “se tornou mais importante”, já que acredito ser quase impossível falar de “original” [3].

De alguma forma, algo tem que fluir na contracorrente do efeito de apagamento da Rede. 

CDC

 

[0] http://listadajanela.blogspot.com

[1] Estou esperando o dia em que vão me xingar de “ludita”. Ou já estão chamando, mas não na minha cara. No dia em que eu puder ser considerado “ludita”, contudo, vão ter que mudar a definição do termo.  ;-) 

[2] Minhas perguntas típicas costumam ser “por que os computadores ainda não resolvem isso” e “por que somos tão apegados ao passado” e “por que a geração mais nova que eu não está conseguindo lidar com a tecnologia musical para criar algo novo e fica se apegando a uma reprodução do mesmo que mostra uma profunda incompreensão do que a tecnologia poderia estar fazendo” - ? - etc. De onde eu ter escrito [1], acima.

[3] Não sabemos, ou não acabamos de discutir se sabemos ou não, quem foi Shakespeare. Mas sabemos que algumas de suas obras foram ‘escritas por cima’ de outras. Camões escreveu seus sonetos, lindos, muitas vezes em cima de ‘motes’, que eram algumas poucas linhas de “domínio público” em cima das quais diversos poetas escreviam outras coisas. As melhores versões de muitas músicas não são as ‘originais’. A idéia de ‘originalidade’ também me parece ser algo que sobrou do Romantismo, mas este não é um tópico para um parágrafo apenas.

Sábado
dez252010

As Crônicas Australianas 8 – Sydney, a Luz e fotografias

Quando viajo, fico especialmente atento à luz. Em geral não temos tempo de nos preocupar com ela “em casa”, estamos presos no trânsito ou estamos “fora do instante”, pensando nos problemas anteriores, avaliando problemas futuros, resolvendo coisas em nossas mentes. Não é Zen e, por mais que isso – revisar, repensar, avaliar, prever – possa ser muito útil para nosso cotidiano profissional & pessoal, isso nos retira do instante presente e paramos de prestar atenção ao que está em volta. Como a luz, por exemplo.

Não sou um fotógrafo profissional: não ganho dinheiro com isso, não tenho uma ‘meta’ ou preocupações estéticas sérias. É diferente de escrever (vocês não têm idéia de quantas críticas cada um destes textos recebe, e de quanto eu odeio quando sei que, temporariamente, não posso me dedicar à Forma, preso, como estou agora, a tentar falar sobre uma quantidade enorme de coisas novas que me prendem e me puxam; A Forma requer um despreendimento, requer dias, semanas, meses, requer retornos e revisões; isso aqui é “jornalismo”, tão impressionista quanto possível, mas é para comunicar, mais do que refletir; e, não, nem sempre há uma distinção clara entre as duas coisas, mas eu sempre sei o quanto minha linguagem está mais para o lado “poético” (forma) do que para o lado fático (função)).

Não sou um fotógrafo profissional, mas sou um amante da Luz. Tenho muito a dizer sobre minha relação entre aprender a “olhar as cidades” (olhar as coisas, olhar as paisagens) e em como isso se relaciona com me aprofundar na fotografia (fotografo “a sério como hobby” desde os 15 anos, com pretensões de saber o que faço, entender a técnica, observar o trabalho dos outros, aprender o possível, ler a respeito, experimentar diferentes coisas e, mais recentemente, discutir o que há de bom, o que há de ruim e o que pode haver de interessante nessa passagem do analógico para o digital, seja em música, em fotografia ou nos textos – e, sim, vocês vão ler outro artigo depois com algum pensamento meu sobre o que é “analógico” em um texto e o que é um texto “digital”) e, mais recentemente, em como eu passei a “procurar a luz certa”, a amar a luz e a observar a luz.

IMG_7762 Vejam a foto ao lado. Faz parte de uma série de imagens que tirei olhando para “dentro” de Sydney a partir do Jardim Botânico, que é belíssimo e me faz pensar por que o nosso, do Rio, é tão ingênuo, tão “chato”, tão sem cor (verde, verde e verde: temos muito mais cores que isso no Brasil!). Não quero falar do Jardim Botânico agora, contudo. Quero falar sobre esta foto, assim como as outras que não vou colocar neste texto mas estarão no meu Flickr em breve.

Eram quase 16h quanto estávamos caminhando perto deste ponto. Havia uns 20 minutos que eu olhava para o “cityscape”, como chamo as paisagens urbanas, e via esses prédios “Matrix”, imponentes, espelhados, com uma bela arquitetura, perfeitamente alinhados daquele ponto de onde eu olhava (já fotografei os mesmos prédios de dois outros pontos, não é a mesma coisa) MAS eu tinha um problema impossível de resolver: a luz aqui, num dia de sol, nesta latitude baixa, é um azul chapado que torna o céu muitas vezes desinteressante e tira a profundidade das coisas. Em outras palavras, estava tudo perfeito, menos o céu – e o céu era meu pano de fundo e, sem pano de fundo interessante, não haveria foto.

Eu brinco muito com minha esposa (atéia fervorosa!, enquanto eu tenho uma tendência a me dizer “agnóstico não praticante”) sobre eu manter Deus na minha folha de pagamentos, sobretudo durante nossas viagens. Na Itália, em 2008, foi formidável: eu tive aquela luz mediterrânea de outono, perfeita, que me fez entender, sem teoria alguma, por que as pinturas francesas que eu conheço tão bem eram completamente diferentes das italianas de períodos próximos – a luz é outra! E Deus estava lá, na Itália, me acompanhando e me dando desde tardes fabulosas até nuvens dramáticas que surgiam em momentos essenciais. Deus recebeu muitas moedas, que eu dava toda vez que entrava em uma igreja, para perplexidade e diversão de minha esposa, sabendo ela que eu obviamente não acredito que poderia “comprar” os favores de deus algum com moedas mas que, paradoxalmente, aquele era meu ato simbólico de entregar um pouco dessa “riqueza dos homens” (ou um símbolo de [suposta] riqueza) frente à riqueza do deus-universo-acaso.

Voltando à foto do cityscape de Sydney visto do Jardim Botânico: pouco depois da minha decepção sobre quão “chapadas” as fotos iriam ficar, e enquanto eu pensava a respeito de usar o algoritmo “melhorador de céu” do Photoshop (muito o que falar sobre “Transmutações do Corpo via Photoshop”, um ensaio futuro), bom, Deus se fez presente e lançou sobre nós uma frente fria que, como costuma acontecer aqui em meio / fim de tarde, vem de dentro da cidade (mais quente) em direção ao mar (mais frio e mais úmido). Venta muito, a temperatura em geral cai entre 5 a 10 graus e, neste dia, isso seria acompanhado de nuvens dramaticamente cinzas e, eu sabia perfeitamente, chuva forte. Avisei à família que teríamos chuva em 15 minutos (aprendi a entender a velocidade das nuvens, aqui, que é muito diferente daí) mas não me deram muita bola. Casaco “impérvido” (sério, é impressionante, dá para tirar gotas d’água dele como se fossem folhas) em mãos, comecei a olhar atentamente as mudanças nas nuvens e procurar o lugar certo para estar quanto a frente de tempestade passasse por cima de mim, em direção ao outro lado da Baía.

Essa foto é resultado disso – não tem manipulação digital alguma, aí. Minha Canon viu isso ou, mais exatamente, “coagi ligeiramente” o fotômetro da Canon para que ele me retornasse o que estava frente a meus olhos e dentro de mim.

Há uma outra foto ainda mais impressionante – acho eu –, um panorama de 180 ~ 270 graus tirado com a máquina apontada para a direção oposta, onde é possível ver a linha perfeita formada pela frente de tempestade. Essa, contudo, precisa que o Photoshop crie o “stitch”, a união das várias fotos que tirei para compor os tais 180 ~ 270 graus. Fica para quando eu voltar, então, mas prometo colocar no Flickr assim que tiver um pouco mais de tempo ( www.flickr.com/photos/carlosirineu ).

Faltou dizer um monte de coisas, mas espero que a foto diga parte delas por mim!

Quarta-feira
abr072010

Tessália como ‘playmate’ e o Declínio e Queda do Império da Playboy

Reassumo meu papel de “pensador [crítico] da cultura” para falar da Tessália como capa da Playboy.

Pode ser um ensaio bem curto: “assim não dá; onde vocês estão com a cabeça?”.

E alguém pode ironizar o sentido sempre duplo de ‘cabeça’.

Mas a pergunta é “onde vocês estão?”, o mesmo que eu já tinha perguntado no artigo sobre a capa da Fernanda Young.

Acho que há uma discussão em construção, aqui, em torno do que estou dizendo agora e do que já disse sobre a Fernanda. Mais adiante, terei que falar sobre a necessidade de silicones e ‘botoxes’ (desculpem-me pelo plural, a palavra nem mesmo está no Houaiss) e hiper-malhação e lipoescultura, hoje, para … como digo isso? … para ‘competir no mercado’ e para ser capa de revista (madrinha de bateria, gostosa de plantão etc).

‘Qual é o mercado’ é outra discussão interessante mas, no momento, vamos falar do mercado que é aparecer na Playboy.

Acho importante dizer que sigo, muito de perto, minha teoria de topoi para pensar coisas assim. Nada tenho a dizer sobre a mulher Tessália, sobre o caráter da Tessália etc…

Falo sobre o que vejo, vejo o que a Playboy me dá a ver. Penso, a partir disto, na função e no lugar (topos) que uma Playboy ocupa e na função / lugar / estética de um conjunto de fotos. Em outras palavras, falo sobre as fotos - e a editoria, e o fotógrafo, e a produção que resultam na publicação - mas nunca sobre a pessoa. (Até porque, neste caso, a pessoa é um ‘efeito de mídia’ ou uma função midiática - mais um artigo…)

Que a produção do Paparazzo tenha conseguido um resultado plasticamente mais interessante do que o da Playboy, aliás, já quer dizer muito. Paparazzo teve a sabedoria de trabalhar com detalhes e ângulos pensados numa situação difícil: Tessália não teria, em seus 15 segundos de fama, tempo de se submeter aos processos cirúrgicos que se tornaram quase obrigatórios para ser uma “Playmate” atualmente. Tessália pode funcionar como motor de um cobertor esverdeado noturno, mas daí a funcionar para as câmeras … não. E Marilyn Monroe & Marilyn Manson já nos disseram muito a respeito.

Por que a Playboy mais uma vez despreza belíssimas modelos-manequins-atrizes com corpos esculpidamente esculturais para dar uma capa a alguém que obviamente tem um corpo, mas não necessariamente tem um corpo que interesse aos leitores da Playboy? Por que a Playboy deixou o seu lugar de definir um ideal de mulher, de beleza, para ser o cão farejador correndo desesperado atrás das perdizes que qualquer outra mídia abate? Por que seguem, em vez de liderar?

Ah. Jogos de palavras. Pensamentos se constroem em cima deles.

Uma amiga observou, num comentário ao meu artigo sobre a Playboy da F-Young, que não era pelo corpo, era pelo voyeurismo. E, naquele artigo, como não me ocorreu que alguém pudesse querer ser voyeur [literalmente, “aquele que vê”] da F-Young, não me dei conta disso. Agora, contudo, não há outro argumento.

Todos sabem da “cena do boquete da Tessália”. Aquele que consiste de um cobertor filmado com visão noturna, verde, em movimento. Não fiquei curioso a ponto de pesquisar se havia um vídeo secreto da câmera secreta sob o cobertor: o que interessa é que, ali, havia algo proibido e, como já nos diz a Psicologia de Botequim, o tesão vive da interdição.

Tessália tinha, então, potencial de mídia para aparecer na capa. Elementar. Problema técnico: a Psicologia de Botequim também nos diz que a Tessália Imaginária pode ser, muitas vezes, mais interessante que a Tessália Real. De fato.

E, pelo que vejo, a Playboy jogou fora o conceito americano de “playmate” (retomo em outro artigo) para, no Brasil, ceder a um “publicamos qualquer coisa que talvez nos faça vender”. (Novamente: por que seguem, em vez de liderar? Quando isso mudou, por que isso mudou?)

A julgar pelos últimos resultados, “vender” está realmente difícil.

Terça-feira
fev022010

Fotógrafo do mês no Flickr (jan 2010)

primeiro post do que deve se tornar uma “coluna” mensal.

O fotórgafo do mês (ou da semana) no Flickr é o BunnyLite / Vanilite:

http://www.flickr.com/photos/vanilite

O trabalho dele com luz é original e criativo. Belas modelos. Algumas vezes um pouco “comercial”, mas é porque ele de fato trabalha com revistas e propaganda. Acho que sabe se manter do lado bom da coisa, mas algumas vezes é meio chapado ao que já existe na mídia.

As fotos de “moças azuis com cabelo verde”, propositalmente ou não parecidas com a ‘jovem ogra’ do Shrek, me fazem levantar a Sobrancêlha Arqueada Spock [TM].

Gosto dos quase-nús com projeções por cima do corpo. Gosto também do pós-processamento “retrô” que ele fez em diversas fotos. Não chega a ser “único” - o cinema e os anúncios estão cheios disso… cheio de tudo, atualmente - mas é bem usado.

E, apesar do título ‘pouco modesto’, que diz “redefinindo a luz”, o trabalho é consistente, com algumas imagens realmente boas.

Fico por aqui.