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Das internas

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Quarta-feira
fev232011

to die for

IMG_0041você senta numa mesa. qualquer. você é freqüentador daquele lugar, o que torna o espaço conhecido. as pessoas, claro, mudam sempre. janta, mais por fome do que por prazer, algo razoável mas que não chega a ser interessante. pensa num texto que está escrevendo, refaz detalhes, tenta entender como é a estrutura. (textos têm estruturas cristalinas: quanto mais coesas, mais belo será o cristal.)

pelo menos vinte coisas cruzam sua mente. importantes. idéias e tarefas de um fim de dia. qualquer.

à sua frente há agora uma mousse, talvez o mais interessante da noite. acompanhada por um expresso. o Deus do Café está de bom-humor com você hoje e você lhe dá g raças: o expresso está perfeito. quando você olha de novo para cima, uma moça se sentou à sua frente. é uma Musa e você sabe disso: parte do treino para se tornar Escritor e fazer parte do Sindicato dos Escritores, Ilimitado, é aprender a reconhecer e lidar com as Musas. (como um Escritor poderia criar sem elas?)

cada uma tem seu jeito. esta tem beleza extraordinária, o tipo de beleza que as Mortais não têm. me parece vinda da Itália renascentista – penso se foi ela que posou para Bernini, mas não creio, são outras linhas. a Sabina de Giambologna, em Florença? não, ela é mais esguia, mais leve que as Musas de Bernini e Giambologna. Atenas, período clássico? findo & ao fundo, não uso mármore, uso palavras. 

possui lábios grossos, não-botox, apenas o suficiente para sabermos que estão lá, os lábios. o nariz é grande demais, tem uma pequena ‘quebra’ na forma: beleza imensa, penso na falácia da cirurgia plástica que, de tanto procurar uma Perfeição, acaba tornando tudo plástico, uniforme, chato. cabelos muito escuros, me parecem grossos. alta e muito magra, mesmo que não fosse Musa – portanto,  intocável – nela não pensaria na cama: a blusa preta com uma faixa larga apertada em torno da cintura não é bom prognóstico.

os olhos são. intransitivamente e sem complemento. os adjetivos para olhos se esgotaram e todos sabemos disso. ainda assim me soam como sinos que se desdobram num coral da Nona de Beethoven antes de se abrandar num tutti de cordas, em tom maior, em seguida se voltando para baixo, ondas oceânicas de mar aberto recobrindo ilhas de palavras.

ela me olha: Musas ficam curiosas quanto ao que seus Artistas criam sobre elas mas sabemos, ambos, que ela não lerá o que escrevo. eu nunca perguntarei o que ela achou.  __ : intocáveis, ambos.

deixo-a aqui, reclinada sobre estas palavras, para a eternidade digital pós-humana até que o último bit se apague.

era tudo o que eu tinha a fazer lá e sei disso. levanto-me, pago a conta, entro no carro. ponto final.