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Segunda-feira
dez202010

As Crônicas Australianas 5 – iPod, flanneurs, irrealidade, Urbis et Orbis

E outras palavras no gênero. O que vou começar a escrever, sabendo que vou ter que parar no meio (há um jantar; alguém virá me perguntar algo; o tempo irá acabar; terei que dormir e vou publicar o conto antes disso; etc), é uma vereda dentro de um vasto jardim do qual conheço algumas bifurcações.

Ou vou escrever algo que posso bifurcar em sentidos muito diversos, o que eu talvez faça, mesmo que pare no meio.

Começa assim:

Há muitos iPods e iPhones em Sydney. Quem não tem um tem um Blackberry ou algum outro dispositivo similar. Como a cidade é segura, as pessoas andam nas ruas, nos metrôs, nos shoppings e em qualquer outro lugar obstinadamente conectadas aos seus iThings. O que eu me pergunto, então, é algo simples: onde estão as pessoas que não estão presentes quando ficam presas por uma tela de iThing?

Mas isso é só a pergunta. Para entender a pergunta, é preciso ler um outro texto meu, que começa assim:

Anos atrás, em algum momento que não me importa, quando eu já considerava que a suposta discussão sobre “o pós-moderno” era, em si, ultrapassada e deveria ser superada por algo mais interessante, alguém surgiu com o conceito de “supra-modernidade” ou “ultra-modernidade”, um conceito vazio que parece indicar que nós “passamos” da Modernidade (o que é óbvio) ou que nossa existência é uma espécie de grande ápice – o quarto movimento da Nona Sinfonia – da Modernidade (o que me parece absurdo por motivos que eu levaria uma tese para explicar).

Talvez Marc Augé tenha criado o conceito de “não-lugares”. Talvez Baumann o tenha feito. Talvez um tenha pegado coisas do outro – não me importa muito porque …. Baumann, Augé… não me interessam muito. Supostamente um aeroporto, ou talvez mesmo um elevador, seriam “não-lugares” porque, se em me lembro do que foi dito, nunca são “ocupados” de fato, são locais de trânsito.

Eu acho a premissa deslocada: estamos em trânsito pela vida. Como é que um lugar se torna um “não-lugar” porque é “de passagem” e como alguém determina para quem aquele lugar é ou não trabalho, parte da vida cotidiana, momento de prazer ou qualquer outra coisa? E, mais que isso, o que o lugar em si tem a ver com isso, uma vez que faz parte – necessariamente faz parte – de uma topologia?

(Dizer isso significa dizer que “todo lugar ocupa um lugar específico em relação aos outros lugares”; uma decorrência lógica é que, uma vez construídos, todos os “lugares” humanos são, justamente, lugares. Saber se um deserto é ou não um “lugar” é completamente diferente mas, ainda assim, se notamos que um deserto de alguma forma é marcado por uma “ausência”, então sabemos dizer que tipo de lugar um deserto é.)

Um dia escrevi algo que posso ou não ter publicado dizendo que tudo, absolutamente tudo que existe e com o qual interagimos (guardem esta palavra-conceito: interagir) é um lugar. Pelos motivos explicados acima, entre parênteses para deixar claro que é mais importante que o resto todo.

De volta a Sydney, retornando ao início deste texto, eu comecei a pensar que agora de fato temos outra forma de “estar” nos lugares públicos (e também em casa, mas é outro assunto, embora próximo) que, desta vez, me parece transformá-los em não-lugares.

Novamente, minha pergunta (que vai bater lá na “Cibercultura” do Pierre Lévy, com quem tantas vezes discuto mentalmente ou já discuti ao traduzir dois ou três livros) é o que muda na percepção de espaço, na apreensão (& compreensão) do que está em volta, quando você essencialmente está com a cabeça fora daquele lugar?

Sem nada das coisas tecnologicamente complicadas de Matrix ou qualquer filme de cyberficção, estamos todos conectados à Grande Rede, e estamos todos interagindo uns com os outros digitalmente através de nossos aparatos. Mas, já que casualmente citei Matrix,o filme – e adoraria que Tron tivesse tido um mínimo de percepção sobre o que está em jogo nos jogos de Tron, mas eles não tinham idéias, só efeitos muito repetitivos -, acontece algo similar: quando você se conecta à Grid, você está fora do “mundo real”.

Quem entrou no trem? É final de tarde e a luz mudou: como está a luz agora? Aquela nova loja peculiar de objetos estranhos, você notou? Atrás de mim há três pessoas falando espanhol; duas outras são australianas; à minha frente estou tentando “separar canais” para saber se falam holandês ou alemão, que eu não falo mas consigo reconhecer se houver um pouco de silêncio.

Como noto isso tudo se meus olhos estão digitando SMS’s ou e-mails ou se estou vendo páginas da web ou ouvindo música olhando para baixo?

E, antes que eu me vá, fica a pergunta: o que mudou em relação à época em que as pessoas viajavam de ônibus, metrô ou o que fosse ouvindo um Sony Walkman (se cuida, Apple: o Império dos Walkmans foi muito mais longo do que essa breve existência das iThings e, assim como vocês, Apple, a Sony acreditava ser imortal, como império – corte para o museu onde fui ver os Guerreiros [de Terracota?] da China e

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