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Entries in gramática (2)

Quarta-feira
jun232010

Regências bizarras no jornal 

A manchete d’O Globo de hoje é: “Aumenta a dependência do Brasil ao capital estrangeiro”. Eu paro na cozinha, perplexo, e fico pensando: como alguém depende ao alguma coisa?

Não pode. Não sou gramático, sou sensato - o que talvez me torne meio cruel, às vezes, porque acho que a semântica - ou a “lógica dos sentidos” daquilo que falamos e escrevemos - vem antes de qualquer regra obscura que alguém possa invocar para publicar uma manchete dessas.

Se você diz “dependência ao”, do jeito que está lá, então poderia dizer “estou muito dependente ao cigarro”, “acabei me tornando dependente à Coca-Cola”. Alguém diz isso? Pois é.

Se diziam em maio de 1935 e foi parar na edição não revista e não atualizada de algum dicionário raquítico de Regência Nominal, eu lamento. Em 2010, temos os usos válidos em 2010 e não há motivo para publicar um ‘toiso’ desses na primeira página.

Minha próxima pergunta é: como resolver o problema. Óbvio que não dá para dizer “Aumenta a dependência do Brasil do capital estrangeiro”. Fica ambíguo.

Não escrevo manchetes de jornal, eu sou sensato. Teria dito “Brasil depende cada vez mais do capital estrangeiro”, o que teria evitado os dois problemas.

Pessoas sensatas têm problemas insanos.

E este é um post curto só para manifestar minha dependência “à” lógica no idioma português (e nos outros também).

Quarta-feira
abr072010

Como usar 'por que' e 'porque', em duas regras óbvias

[última revisão com alterações: 22_nov_2010]

Um detalhe técnico, antes que me marretem: as regras que vou inventar abaixo só são óbvias para quem sabe inglês. Ou francês, na verdade, onde existe a distinção “pourquoi”/ “parce que”.

1. Por uma grande mancada ‘histórica’ (leia-se: sem um culpado conhecido) temos dois ‘grafemas’ (não quero chamar isso de ‘palavra’ nem de ‘termo’) tão próximos para coisas tão diferentes: “porque” e “por que”. Não precisava ser assim.

2. Azar o nosso a respeito de [1], porque o idioma é aquilo que é e nós, falantes-escre(vi)ventes, temos que lidar com isso. Suponho que seja mais difícil confundir “why” com “because”, suponho que seja natural usar “pourquoi” vs. “parce que”. Nos dois casos, me soa óbvio. E eu, linguista mas ficcionista, creio ter aprendido isso de ouvido. Contudo, pensando como penso, provavelmente posso deduzir ou derivar regras.

3. Não acho razoável tentar afirmar que é preciso pensar na diferença entre “conjunção explicativa ou causal”, “conjunção subordinativa” e “pronome relativo” (ou qualquer outra coisa neste nível sintático) já que isso apenas introduz novos problemas, pois requer uma análise sintática. Quem sabe fazer boas análises sintáticas também já sabe o que usar, então é uma solução vazia.

4. Busco uma solução simples: não uma explicação, não uma teoria, mas uma saída pragmática. Foi como cheguei a essa “Regra Carlos do Why-Because”:

por que = pourquoi = why

porque = parce que = because

É só isso!

(É irônico que, em português, separamos dois termos quando eles juntam, juntamos quando eles separam;  estou certo que, em algum momento obscuro da transição entre o latim tardio e o francês e o português, deve ter um motivo para isto.)

Exemplos:

Why are you here?
Por que você está aqui? (óbvio)

You are here because the book is on the table.
Você está aqui porque o livro está na mesa. (ainda óbvio)

If I knew why I came, I would tell you, but it certainly wasn’t because you are in trouble.
Se eu soubesse por que [pourquoi] eu vim, eu lhe diria, mas certamente não foi porque [parce que] você tem problemas.

O último exemplo é menos óbvio, mas demonstra que, mesmo sem um valor interrogativo, a tal ‘conjunção explicativa causal’ (um nome que não explica nada, sejamos sinceros) …. vira SEMPRE “por que” quando usaríamos “why” em inglês.

Pessoalmente - e vá lá que sou tradutor… - penso muito mais rápido nessa ida-e-vinda do inglês / francês do que nessa coisa confusa de “substitui por”. Ainda assim:

Se eu soubesse por qual motivo eu vim […], e certamente não foi ??????

É quando essas “substituições” que inventam aqui me deixam um pouco irritado. As opções aí seriam

pois
uma vez que
já que
porquanto
pelo fato de que
como

Tenho dúvidas de que muitas pessoas saibam usar “porquanto” de forma correta, mas vamos em frente.

… e certamente não foi _tente todas as alternativas acima_ você tem problemas.

A única que serve é “pelo fato de que”. Em outras palavras, ‘dependendo do caso’, você precisa avaliar uma lista de SEIS alternativas para tentar saber se é um “because”. E a frase, num inglês muito tosco, só pode ser “obviously BECAUSE whatever” - não tem “why” aí, nunca.

Problemas com o inglês? Use o francês.
Problemas com o francês? Bom, lamento informar que boa parte das argumentações em prol disso ou daquilo feitas por gramáticos brasileiros notórios, como o Prof. Evanildo Bechara - cuja gramática sempre consulto -, são baseadas em gramáticos ou lingüistas franceses e seguem uma lógica por vezes muito similar.

Faltou falar em “por quê” (ó, aberração!) e “porquê”.

“Porquê” é simples: substantivo. Se dá para enfiar “o porquê”, já foi. E, como minha regra do “why” parece estar realmente fincada na estrutura lógica dos dois idiomas, é impossível usar “why” no lugar de “o porquê”, porque “why” não é substantivo…  :o) 

Tente:
Não entendo o porquê disso tudo.
Vocês têm muitos porquês, mas no fundo não sabem de nada.
Alguém me explique o porquê desta reunião?

Dá para colocar “why” ou “because”? Não. Então não é “por que” nem “porque”. Nunca.

Faltou falar em “por quê”.

E que bela explicativa nos dá a gramática? Esse “por quê”, que pode ser “de quê” ou mesmo só “quê”, é “tônico em final de frase”. 

Tá bom. Sob protestos veementes, mas tá bom. Como este é um ambiente web familiar, não vou nem dizer o que eu acho de terem retirado vários diacríticos que tinham função essencialmente ‘ortoépica’ mas terem deixado logo este, inútil, sem sentido e confuso. Mas, sim, podem me bater depois de eu ter dito isso tudo. A explicação permanece, contudo, e aguardo exemplos em sentido contrário…. (deve ter algum, deve ter algum…).

by Gato de Schrödinger (aquele que está, depois não está, etc)