ZR18

alta madrugada: as ruas eram minhas; a cidade era minha. tudo vazio em volta, os prédios ainda fechados em seus murmúrios, luzes de segurança projetadas cortantes sobre as calçadas, painéis com os enormes logos de conglomerados que eram uma dentre as muitas camadas que compunham a paisagem do Rio; percurso do carro otimizado de acordo com as projeções do Controle de Tráfego Urbano, nenhuma parada indesejável a não ser as duas verificações obrigatórias antes de passar para o Perímetro Externo, cruzando a via expressa e protegida por painéis blindados a 250 Km/h, borrões de drones de manutenção se perdendo no retrovisor, manchas de cores fortes, parada novamente na entrada da ZR18: Ilha, e depois tudo ficou mais lento, reduzindo para a velocidade de segurança das vias internas.
eu olhava, pensativo, como se aquilo fosse o grafo de uma rede – toda cidade parecia ter um sentido, algum sentido, sobretudo quando vista de cima, pontos de diferentes cores ligados em rede, pessoas-carros-material-dados em percursos diversos, junções, áreas densas onde coisas se concentravam, áreas escuras onde nada fora desenvolvido ainda.
como na Grid, precisava do Navegador do carro para cruzar os nodos. como na Grid, nenhum humano sabia o sentido por baixo de sua construção, se é que havia um – aquilo cresceu, só isso. estava além de todos nós.
luzes de partes distantes pontilhavam toda a Baía à minha direita, depois um corredor fechado, como em um game, entrando na via entre os muros altos das Zonas Militares controladas pelas Guildas. ali, a Grid e a cidade eram uma coisa só, um nodo onde produtos entravam e saíam, percursos físicos mapeados eletronicamente nos sistemas, percursos físicos vinculados materialmente a containers, números de vôos, transportes terrestres. alimentavam os humanos com seus itens de consumo, alimentavam outros sistemas com insumos que o lado material desses mesmos sistemas precisava para produzir novos itens de consumo. uma longa cadeia orgânica onde coisas eram produzidas, coisas geravam objetos mais complexos, objetos eram usados e perdiam seu valor inicial, objetos viravam refugos, eram transportados para a reciclagem. alguns encontrariam seu fim, compactados como lixo; outros voltariam a ser insumos para máquinas que retomariam essa cadeia orgânica, recriando daquela matéria morta versões atualizadas de itens de consumo para humanos, para máquinas – para sempre, sem fim.
as pistas do complexo aeroportuário GIG estavam do outro lado daqueles muros. em toda parte, câmeras de segurança, satélites de baixa órbita monitorando atentamente aquele trecho, torretes de metralhadoras automáticos:minha garantia de paz.
ZR18, com o enorme logopainel do Consortium Terrarum – a consolidação de todas as operações transnacionais dos Keiretsu, Gnoseonomias, Conglomerados e Guildas Comerciais – na entrada, tornando essa minha residência um lugar quase tranqüilo, quase bucólico, em meio à maluquice desta cidade; o Nexus reduziu novamente a velocidade, tomando uma rua lateral, depois outra, seguindo até os portões do meu condomínio. validação de RfId do carro, confirmação visual dos sistemas secundários, portas abertas.
casa.
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