As vuvuzelas sugaram a emoção dos estádios
d.C. 2010/3 Me lembro de quando era pequeno e meu pai me levava ao Maracanã. Sou ateu desde pequeno, e meu pai é flamenguista doente. Aquele ritual todo de empurrar a bola de um lado para o outro me parecia um pouco enfadonho, mas a torcida sempre me emocionou.
O Maracanã em dia de Fla-Flu (ou qualquer outro jogo decente) é uma igreja em fúria, cheia de apaixonados, que soltam fogos, batem no que tiverem para bater (de tambores aos torcedores do time adversário) e, sobretudo, gritam muito.
Acho que deve ser um ritual mágico, para qualquer jogador, lutar contra o time adversário enquanto, ao mesmo tempo, está fazendo um show de rock e interagindo com aquela multidão, seus fãs. O estádio e o jogo eram uma coisa só – a explosão após um gol, a expectativa antes de uma cobrança de falta, a decepção com uma bola na trave, a irritação com o juiz, os cânticos criativos que cada torcida inventava para louvar um ídolo ou infernizar a vida dos adversários… Havia poesia em cada uma dessas coisas, era lírico, uma ópera, música.
Começou a copa de 2010 e não teve nada disso. Se teve, foi baixinho, ninguém ouviu, pois quase tudo ficou abafado pelo enxame irritante de vuvuzelas. Quem inventou aquilo?; quem achou que aquilo tinha algo a ver com futebol?; quem cometeu o crime de deixar que aquilo abafasse a emoção das torcidas com o som tolo, feio e chato de uma mosca varejeira?
Todo músico sabe que a música é baseada em silêncio. Sem silêncio, sem espaço entre as notas, você tem ruído, não música.
Da mesma forma, as vuvuzelas não parecem ser uma ‘torcida’ de fato: são apenas ruído insano, e me entristece pensar que, até mesmo no futebol – e ao menos nesta copa -, as coisas tenham tomado o rumo do abestalhamento, do emburrecimento, e que as explosões de emoção das torcidas tenham se reduzido a isso:
zuuuuuuuuum.
Para onde vamos depois: clínica de surdez ou asilo psiquiátrico?
Reader Comments (4)
Um narrador fazia um comentário e, no meio do assunto q tratava, disse "gente, essas vuvuzelas são insuportáveis" e voltou ao assunto. Eu fiquei imaginando a dificuldade de trabalhar com aquele barulho: narrar o jogo, moderar discussões c/ os comentaristas, não tirar o olho do jogo pra não perder um lance importante, estar atento às conexões (estúdio no Brasil, repórter no campo etc), tudo com vuvuzela ao fundo. Foi logo no início da Copa, imagino q ele tenha chegado ao final tomando calmantes.
Pra quem assistia daqui, era um barulho constante de abelhas voando. Era chato.
Assisti ao VT de um jogo no SportvHD sem comentaristas, só o jogo, barulhos do campo (chutes e apitos do juiz) e torcida ao fundo. Dava pra ouvir, num grande lance em campo, a torcidar gritar "ahhhhhh", achando q o gol ia entrar. Mas, como vc disse, não se ouvia a batucada, nem cânticos, só o som condensado de abelhas voando.
Ah, adorei q tenha escrito sobre futebol. O futebol é uma festa linda. Pra quem já assistiu a um jogo ao vivo, nada se compara. É, como vc diz, uma ópera, um "happening", sem dúvida. Só o futebol pra arrastar aqueles homens europeus de meia-idade, fantasiados de coisas inimagináveis, caras pintadas com as cores da bandeira, pros campos da África, estampando sua esperança ou sua decepção em rede mundial.
Não sou o maior fã de futebol do mundo (às vezes vejo um jogo com a minha namorada que, ao contrário do que dita o clichê, gosta mais de futebol do que eu (eu também tenho problemas com parênteses longos demais)), mas fico triste quando qualquer coisa, por mais boba que seja, perde sua essência ou parte dela.
A única coisa boa das vuvuzelas é a enxurrada as piadas com o Kenny G, clarinetes e os saxofones soprano e sopranino.
Perfeito Carlos.
;)
Essa vuvuzela é um troço chato pra caramba!
E besta.
Mas a Copa do Mundo é sensacional!
Que maravilha de evento mundial.
Pena que acaba.
Abrax
P/S: Direto do hotel em Vitória, ES.
E do iPad.
;)
Bem lembrado, pareciam moscas varejeiras mesmo!