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Sábado
jan292011

Cartagena (um postal)

recebo um postal de Cartagena. me sinto (sinceramente) honrado, alguém lembrou de mim (em Cartagena). 

(supostamente) diz algo como:

estou te escrevendo de Cartagena, uma cidade linda que tenho certeza que voce ia adorar, cheia de charme, história; uma cultura muito rica… fui visitar a casa do Gabriel Garcia Marques em tua homenagem. as luzes aqui são âmbar, há um clima romântico, nostálgico. se tiver a oportunidade venha, tenho certeza que voce se inspiraria muito aqui. daria um ótimo livro, há imagens em toda parte. a água do mar é cristalina, profusão de peixes coloridos, frutas coloridas …

bom ver as cores de Cartagena pelos olhos de outro. respondo por mail, longo demais para um postal (e não tenho cores, agora).

você deve ter ido visitar a casa do GGM, mas não foi de fato em minha homenagem, foi?

meu sonho seria beber um mojito no bar que Hemingway freqüentava, em Cuba. curioso, porque só li o clássico-e-obrigatório “The Old Man and the Sea”, séculos atrás; achei ótimo, não lembro do livro, não li outro dele além deste; mas Hemingway é, para mim, a essência do Escritor: um cara que gosta de touradas (sangue e violência), tem um jeito meio “rude” mas é hábil com as sutilezas das palavras; vai para Cuba (outra época) para ficar longe de quase tudo. se mata com uma espingarda. (sabe, o importante aqui é: and so it ends, not with a whimp, but with a bang; Eliot entendeu isso errado.)

longa conversa, um dia: te explicar por que acho isso “o máximo”. mesmo a espingarda.

meu outro ídolo é Bukowski, bêbado, tarado e com uma herança da qual nunca falava; amante: de corridas de cavalo, de mulheres e de bebida. sou mais próximo de Bukowski: cavalos, mulheres, alguma bebida; amante.

e novamente mulheres, o desejo é incessante, mas acho que dessa parte você já sabe, ao menos um pouco.

Bukowski me ensinou o ritmo (“como um 38, só que mais barulhento”): se tenho uma “influência”, é ele.
Machado, W.Benjamin, A.Abelaira, R.Piglia, F.Pessoa, muitos outros me ensinaram a pensar a escrita.
Bukowski me mostrou o que é “tempo”; “ritmo”; “pulsação”.

escrevi isso do nada no mail porque tinha um vídeo aberto na outra tela e me deu vontade de dizer outras coisas, coisas sobre mídia e Lady Gaga. escrevi um ensaio sobre pop e McLuhan e M-Manson e L-Gaga entre uma linha e outra do que te escrevo agora. (mas eu te escrevi de fato tudo isso?)

de qualquer forma, Wish I Was There, com você, vendo as cores (“vendo as cores de teus olhos vendo”, diria Charles). mas tenho dúvidas se me inspiraria, no clima ‘techno-noir’ que cultivo em textos recentes.

esquece o fato de que produzo bem em Corrêas, bucólica e adequadamente fechado em um confortável chalé (me encontra lá um dia? adoraria conversar em meio às montanhas). na maior parte das vezes o fundo do que escrevo é o que vejo de um quarto de hotel, alto, uma noite insone em São Paulo. tenho uma foto, não vou mandar agora. ou ontem à noite, em torno de 18h23, o enquadramento perfeito da antena em contraluz da lua, o alto de um prédio de escritórios espelhado, apagado; um único andar acesso, luzes da sala, fechando logo abaixo no vermelho forte do sinal e a fila de carros.

esse sou eu, aqui é minha cidade.

e tenho que ir, mas sempre volto: meu texto sobre Lady Gaga assume isso completamente. achei engraçada a piada para mim mesmo, quando comecei dizendo que já tinha dito tudo no título, e depois digo algo completamente diferente, mas que é o centro da coisa, e finalmente escrevo o que ia dizer, não exatamente porque me importe, como A-Abelaira não se importava, como D-Adams não se importava - McLuhan me importa, a paranóia da mídia por si mesma me importa – Lady Gaga eram as imagens no monitor secundário.

e você ressurgirá em mail alguma hora, de Cartagena ou já de volta, não sei; espero, te espero sempre, desde que te conheci.

ah: isso também: Cartagena, para mim, se pronuncia “Cartáguena” com o sotaque do Latim que me ensinaram. e a frase exata é “delenda Cartagena” (Alexandre, o Grande: “Cartagena deve cair”). por algum motivo que já esqueci, a frase era muito importante para ensinar algo que não aprendi totalmente nas aulas de Latim.

era, claro, outra Cartagena.

e teu postal meu mail isso aqui se tornam agora um doppelgänger: como dizer o quanto foi verdade ou não?

eu volto.