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Domingo
abr042010

Como escrever [um início]

[v0-1.1: pequena correção ortográfica no artigo; curtas mudanças de andamento]

Acabei de ler um artigo de um cara sobre a não existência do que chamam de “writer’s block”, bloqueio de escritor, sei lá. Gostei do que ele disse, vou escrever uma versão pessoal.

Primeira coisa a dizer: não tenho idéia do que seja um bloqueio. Eu sempre tenho muito mais o que escrever do que tenho tempo. Tenho questões. Dúvidas. Assuntos filosóficos. Uma coisa que eu vinha falando no carro com minha esposa. Um comentário expandido sobre algo que li na internet. Pensamentos sobre gramática. Etc.

Se eu posso escrever sobre isso tudo? Essa é uma outra questão.

Se o “poder” aí em cima significa “saber”, a resposta é “sim”. Se “poder” significa “se achar capaz de”, a resposta ainda é “sim”. Contudo, se significa ter tempo + disposição + disciplina + organização para dar conta de boa parte do que eu penso ao longo dos dias, a resposta é “nem sempre”, e o resto da resposta está, em parte, aqui neste site: aqui está o que consegui escrever, o que produzi, o que retirei de sonhos e incômodos e conversas e idéias para transformar em textos reais.

Converso com amigos & amigas que escrevem. Sei que temos, todos, questões muito diferentes.

Alguns alegam falta de tempo - mentira, e eu posso dizer isso porque eu vivo alegando falta de ___.

Tenho um projeto atrasado - mas posso parar e jogar GRID, então posso escrever.
Tenho que sair - mas faltam 30 mins. e já parei de trabalhar, então por que não pegar o caderno ou laptop e anotar coisas?
Sou capaz de escrever entre 10 a 30 páginas de mail em um único dia (tenho escrito menos, mas já contei “30” mais de uma vez) - isso não pode ser reaproveitado? Claro que pode!

Você é capaz de ligar agora para alguém e contar uma história? É capaz de mandar um mail com um assunto que não seja essencialmente sobre um novo remédio para fungos nas unhas (e, ainda assim, talvez na web de hoje isso seja um assunto)? Você leu algo interessante sobre o último gizmo que vai ser lançado e quer comentar? Chegou de um filme que te deixou pensando?

Escreve. Em um caderno. Em mails que você vai guardar e TEM que ler mais tarde. No Squarespace. Wordpress. Blogger. Tumblr. IDontCare: escreve.

Tenho problemas com inícios? Não, eu poderia viver de vender inícios de tramas, pedaços de meus sonhos, questões filosóficas. Quer uma idéia para uma tese em Humanas? Manda um mail, deixa um comentário - eu tenho mais idéias do que tempo de vida.

Mas, sim: se sou um cara com tantas idéias, por que estou aqui escrevendo sobre “como escrever”? Por que acho que devo parar e refletir sobre o assunto, nesta madrugada de sábado, em vez de me dedicar a dormir / continuar meu livro / ler algo / ouvir música / escrever sobre outro assunto?

Porque tenho problemas: eu penso muito e gosto de escrever sobre o que penso. E sei muito pouco sobre finais.

Pior que tudo isso, eu carrego dentro de mim todas as vozes críticas que eu encontrei ao longo de minha carreira de literato / tradutor / teórico / editor. Tudo o que me ensinaram, tudo o que eu mesmo pensei ou disse a respeito de outros autores. Não é pouco, não é leve, não é fácil.

Ouço ainda as vozes críticas imaginadas dos amigos que são consultores de marketing, programadores, gerentes de projeto, escritores, tradutores, chefs, cientistas - cada um deles vai olhar para qualquer um de meus temas e, estou certo disso, eventualmente me enviará um mail dizendo “cara, você esqueceu disso, daquilo e de mais esses troços aqui”.

É um inferno bem povoado por demônios.

Como escrever?

1. Comece com o que quiser.
2. Escreva como você escreve agora. Se tudo correr bem, se você gostar do que faz, com o tempo escreverá melhor. (Curiosamente, as poucas excessões que conheço para a regra são colegas literatos que escreviam melhor quando tinham menos exigências e cujo aprofundamento e saber formal “engessou” a escrita com o passar do tempo. Escrevem, hoje, formalmente melhor mas subjetivamente de forma menos interessante - menos livre, menos aberta, menos criativa - do que escreviam quando começaram.)
3. Continue escrevendo e, sobretudo, transforme isso em um hábito. Caso não tenha nenhuma idéia, tente escrever seus sonhos - acho que são mais interessantes que as coisas que as pessoas colocam nos “diários”, até porque acho que ninguém aguenta mais os blogues sobre “Meu Querido Umbigo”.
4. Não fique criticando tudo o que você escreve. Ouça o que dizem a respeito, leia com carinho críticas e elogios, mas deixe de lado o ego. Você está em sua escrita, mas sua escrita não é você. Acho importante separar as coisas.
5. Talvez devesse ser [4], mas permita que as pessoas leiam o que você escreve. Interagir é importante.

E, eventualmente, assim como vou fazer agora, termine seu texto.

O que mais me incomoda, em relação a mim mesmo, é a quantidade de boas idéias que ficam guardadas nos discos rígidos porque não me convenço a encontrar um final sequer mediano para elas.

Este texto, contudo, termina aqui. Se o final não for bom o bastante, terei sempre motivos para recomeçar e tentar de novo.

http://www.doppelganger.com.br/improbabilidades/como-escrever-ndash-todos-os-finais-possiacuteveis-parte-2-o.html

http://www.doppelganger.com.br/improbabilidades/como-escrever-sem-ser-obvio.html

References (3)

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    Como escrever [um início] - Improbabilidades - Doppelgänger
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    Como escrever [um início] - Improbabilidades - Doppelgänger
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    Como escrever [um início] - Improbabilidades - Doppelgänger

Reader Comments (4)

pois na minha opiniao o final ficou ótimo!

de qqr forma, uma possivel solucao pra encontrar finais difíceis de achar talvez fosse virar tudo de ponta-cabeca;

no final vem justamente o que em principio seria o comeco... ;-)

d.C. 2010/2 | Unregistered Commentergil

Curti o final também, mas mesmo que não tivesse ficado bom o texto já valeria pelo conteúdo. Há um mês ou dois eu tinha pensado em te mandar um mail (ou recado no orkut, mas mails me inspiram uma aura mais elegante) comentando que seria interessante se por acaso tu pensasse na possibilidade de um dia vir a pensar em escrever sobre "como escrever" ou algo do tipo. Vindo de ti provavelmente seria diferente da enxurrada de coisa inútil que tem por aí a respeito (alguns úteis, a maioria era "mais do mesmo").
Não mandei, não tomei coragem, mas no fim tu acabou escrevendo sobre mesmo, então não dá nada.
Eu perguntaria para o Machado de Assis (morto), ou pro DNA (morto), ou pro Stephen King (universo errado), não fosse por (...). O cara aquele do "Foras de série" falava algo assim, que a prática levava a perfeição. Senso comum, praticamente, mas é diferente de quando a minha mãe, ou um professor, ou um amigo blogger, fala isso.

Era isso que eu queria comentar, não que tenha acrescentado algo ao mundo, mas taí. Espero que o "[um início]" do título signifique que um dia tu vai escrever mais sobre esse assunto, e não só seja um "termo acessório". Para mim, que estou começando (há algum tempo já) a escrever, é sempre muito bom ler opiniões e dicas dos mais "velhos" e experientes.

Abraço!

d.C. 2010/2 | Unregistered CommenterMarcus Vinícius

Isso é o que me vem à mente quando eu leio writer's block: http://bit.ly/doq4xF

d.C. 2010/2 | Unregistered CommenterFroyd

acho que o tempo é um problema justamente por quê há muito o que escrever, ler, ouvir, assistir, e etc. a gente tem menos tempo que coisas para fazer com ele.

é só reencarnar como adão da próxima...

d.C. 2010/4 | Unregistered Commenterbruno

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