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Domingo
fev212010

Nine (Nove) : esboço de ensaio sobre Bob Marshall, Chicago e musicais

E vou ver "Nove", como fui, e fico muito impressionado com o filme e com o fato das pessoas terem saído do filme - nos EUA, sobretudo, pelo que li na web, mas aqui também - sem se deixarem tocar por ele.

Não acho que seja um “grande filme” – não é Moulin Rouge e não é All that Jazz, retomo isso mais tarde mas garanto que está tudo bem em não ser uma coisa nem outra –, porém acho incrivelmente difícil fazer um bom musical, hoje, com uma história que se pretenda "pensante", com música interessante, belas coreografias, uma fotografia (e cinematografia e cenários e luz) digna de nota. Em meio a isso tudo, ainda há uma homenagem ao cinema neo-realista italiano (Fellini, Visconti, Rossellini estão presentes no filme), mas antes de tudo uma declaração de amor ao cinema e à arte de filmar: uma paixão pelos filmes, quase como Woody Allen faria (e fez) tantas vezes em sua filmografia.

Tentar isso, hoje, é um feito. Conseguir terminar o filme, na Hollywood ultra-focada em resultados financeiros visando retorno aos acionistas de nossos tempos, e levar o filme  para o concorrido mercado internacional… outros feitos.

Mais interessante, para quem assiste, contudo, é que o filme tem diversas camadas de significação e várias abordagens: entre o “puro entretenimento como musical adulto” (High School Musical abre portas e funciona como Grease para a nova geração, mas é só isso) e o conceito / proposta de revisitar, mais como homenagem do que como visão crítica, o cinema neo-realista italiano, Nine dá muito mais a se pensar do que tem sido publicado, eu creio.

Bob Marshall, diretor de Chicago, coreógrafo, ‘showbusinessman’, é o responsável por “Nine”. Criticaram o homem, compararam o filme a “Os Produtores”, disseram que é vazio, pretencioso, incompreensível, que há um “filme sobre o filme dentro do filme”… Ó, Deus, esse povo-crítico sequer vai ao cinema?

Marshall consegue colocar uma camada a mais em seu musical pensando sobre o que é esse fazer do cinema, a que ponto chega o amor a essa arte, sobre como é enlouquecedor vivenciar seu próprio imaginário em imagens, e também viver pelo "proxy" que são os atores, intermediários do "Maestro" com o mundo. Não é uma grande tese a respeito, não é um filme que revoluciona a forma de pensar o cinema italiano dos anos 60, não é uma “releitura” de nada. Me lembra, antes, Woddy Allen saindo completamente fascinado, perplexo, transfixado, de sua (n+1) sessão de “Casablanca” no início de “Play it Again, Sam”. Me faz pensar que Bob Fosse ficaria orgulhoso desse outro Bob, Marshall.

Cinema como paixão. Dança como paixão. Cinema e dança como formas de demonstrar a paixão pela vida. Sem armas, sem correria, sem uma explosão sequer, sem Marines correndo de um lado para o outro. Há muito mais efeitos na cinematografia do que está imediatamente aparente (a notar os belos momentos em preto e branco granulado – digital ou filmado em Super-8, não me importa, o resultado é bom), mas os efeitos nunca transformam o filme em cinema-show-videoclipe.

Fascinante.

E, para quem tiver olhos parecidos com os meus, não passará em branco a coragem de invocar, na tela, a mística das Musas e ainda desfilar todas as faces das Moiras que todo criador enfrenta: Cloto (a que fia, ou dá vida), Láquesis (a que ‘puxa o fio’, ou ‘sorteia’ a vida, o destino), Átropos (a que ‘afasta’, ou corta o fio).

Para um criador – cineasta, romancista, poeta, coreógrafo … – elas são mãe, esposa, amante, atrizes. Estão todas no filme, muito explicitamente: no final da narrativa-filme, entram uma a uma em cena e ficam todas reunidas, observando o personagem-cineasta que se permite recomeça a filmar, ele mesmo criança sentado no colo dele mesmo adulto, o cineasta-ator filmando um recomeço que se revela possível, enquanto o cineasta-autor-Marshall tem a coragem de colocar todas essas mulheres olhando para ele (seu reflexo? nunca sabemos, mas se parece tanto!) de cima, de uma enorme armação-palco.

Musas e Moiras em cena, observando, julgando o tecido que está sendo criado por alguém que elas criaram, a quem elas dão (e tiram) vida e possibilidade de criação.

Admito que eu não teria coragem de fazer o mesmo: seria colocar num texto muito mais do que uma Caixa de Pandora de escritor / diretor poderia contar. Bob Marshall fez e eu o admiro por muitas coisas, esta inclusive.

Esqueçam as críticas – assistam o filme. Ele sabe falar por si mesmo.  

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