sobre Escritores

ocorre-me que é preciso dizer tantas coisas sobre esse-isso que nos faz o que somos: escritores, em tempo integral, quer estejamos ou não com teclados e canetas à mão, quer notemos ou não que estamos gravando muitas pequenas cenas em torno de nós para delas depois nos lembrarmos - a Musa no café, hoje, será um capítulo, uma poesia ou farei dela um micro-conto?
ainda não sei, mas sei que registrei a moça em detalhes. memória prodigiosa, a minha, incapaz de citar mais que duas linhas de Bandeira ou Pessoa mas plenamente hábil quando se trata de dizer qual o formato dos lábios da última Musa que cruzei, ou que roupa usava alguém no shopping semanas atrás, ou que gosto tinha uma xícara de expresso - quase tudo gravado, quase tudo o que me importa, o que, em algum lugar, acho que vou usar mais tarde (mesmo que eu ainda não o saiba - escrevemos, inconscientes).
sento-me e leio um trecho prodigioso do Augusto Abelaira, que me responde à pergunta feita antes, sobre por que escrever uma poesia para aquela moça do café que nunca lerá meu texto. de resto, é outra forma de dizer (antes de mim, mas eu não o sabia, então não há “antes” ou “depois” aqui, como nunca há, quando se entende de que se faz literatura) … o que eu já dissera no meu primeiro livro de poesias, “A Sala de Espelhos”.
Ouve… E se tiver escrito esta história a pensar em ti? Se todo o meu discurso apenas significa uma declaração de amor, o pedido para não me deixares?
Diz-me, diz-me qualquer coisa…
Ou não digas. Aguarda ainda uns momentos…
in: O Triunfo da Morte, p.126; não muito fácil de se conseguir aqui em Terra Brasilis - pena
é mesmo isto: escrevemos porque fazemos declarações de amor; escrevemos para não nos sentirmos sós; escrevemos pedindo que não nos deixem; que você não me deixe.
aguarda um pouco, então, enquanto eu escrevo uma outra coisa porque me pediram que a escrevesse?
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