Supermercados, marketing e ‘brand awareness’

Quem faz as compras da casa sou eu.
Quem traduz alguns livros de marketing e lê uns outros tantos também sou eu. Ou porque leio coisas muito diversas ou porque boa parte de meu tempo profissional é dedicado a traduzir.
Soltar um “pensador da cultura” cheio de Heidegger e Benjamin na cabeça, entupido de conceitos sobre arte conceitual e munido de Torpedos Lógico-Teóricos dentro de um mercado é cruel. Para ambas as partes. Agora resolvi que vou começar a devolver parte do que me fizeram engolir até aqui.
Vamos lá.
Dizem por aí, em livros diversos, que criar “brand awareness” (percepção de marca) é ultra-importante. Tem até um Culto, em marketing, que fala sobre “Posicionamento”. O que eu tenho a dizer sobre o quê, exatamente, é o tal “posicionamento” tem teor pornográfico, requer termos de baixo calão e deve ser evitado em sites familiares como este.
A outra coisa que tenho a dizer é mais simples: Senhores Operários das Indústrias de Marketing: saiam dos escritórios e passem ao menos uns 2 dias dentro de um supermercado. Vocês iriam atingir a Iluminação. Garanto, e ainda vendo para vocês uns livros a respeito assim que eu arrumar uma palavra-chave bodosa e, de preferência, intraduzível.
Supermercado. É a chave.
Sabem quantas marcas de amaciante temos, hoje? Eu não sei mais. Qual amaciante eu quero? O que minha empregada / faxineira usar. Qual amaciante minha esposa prefere? O que eu comprar para a empregada usar. Qual o amaciante que eu compro? Confort – com ‘n’ ou ‘m’, não importa, não ‘retive’ essa parte da marca.
Sabe quantos tipos de Confort temos hoje numa prateleira? Mais de um. Sabe de quantos um ser humano normal, dotado de uma máquina de lavar roupa, precisa? UM. Sabe qual é o bom? O que eu tenho comprado até agora.
Querem incluir “aloé vera” ou “um novo composto orgânico que reordena as fibras do tecido durante a lavagem”? Boa sorte. Não estou interessado. Quero o Confort, azul, tradicional, quero uma embalagem prática, normal e sem firulas, e sobretudo – por favor entendam isso, é um ponto crítico – eu não tenho tempo nem disposição de pensar a respeito de amaciantes.
Nem de detergentes. E odeio quando a embalagem dos biscoitos que meus filhos gostam muda, porque me obriga a mudar minha rotina de varredura visual para achar uma embalagem “nova”, que não me interessa a mínima, sabendo que, ainda por cima, vou chegar em casa e ouvir “por que o biscoito mudou?”.
Deus. Tenho uma dissertação de Doutorado sobre o quanto vocês, de marketing, lêem as bíblias sobre posicionamento e brand awareness e depois parece que trabalham com muito afinco para impossibilitar qualquer consumidor de reconhecer a marca.
Isso é só o início – vocês não merecem paz porque vocês não nos dão paz.