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Sábado
out302010

sol, praia e ordens médicas

não vou conseguir produzir algo mais engraçado, mais ácido, mais vivaz e mais eloquente (agora sem trema, me diz o incorretor ortográfico legamente correto) sobre essa história de ‘andar na praia e tomar sol’ do que João Ubaldo Ribeiro, em diversas crônicas no jornal, na época em que algum dos Homens de Branco lhe disse que deveria trocar uísque por guaraná, bar & conversa por caminhada, e sei lá em que dieta de regime forçado colocaram o nobre homem de letras.

mas é isso: homens de letras gostam de letras e gostam de pousar letras sobre papel. meu bar é a web, meu uísque red bull, sou um pouco diferente aqui e ali porém, como me disse certa vez a Sensei de Filosofia: “nada de útil se produz antes que o Sol se ponha”.

eram épocas sensatas em que trabalhávamos, eu e Sensei, de 18h às 3 ou mesmo 6h da manhã, produzíamos muito e eu voltava para casa feliz, vendo o sol nascer e jamais compreendendo que insanidade peculiar, mas claramente feliz, levava à Lagoa aquelas pessoas que eu via, 5h da madrugada, pré-Sol, correndo.

(para onde se corre, quando se corre? eu sei: o Zen me diz que não se corre ‘para’, se corre porque é bom ou porque correr possui algum centro; respeito, talvez admire; fora isso, sigo a Escola CEB de Pensamento João Ubaldo: conversa, escrita, birita.)

mas eis que chego aos 50, quase agora (mais uns 6 anos) e o Homem de Branco me diz que minha pressão isso e aquilo, elevada pelo estresse desse estar vivo no momento se encontra com esse e aquele valor para lá e para acolá, então eu que corra atrás.

fui. correr. na praia. sem falar nos dias em Noronha passados subindo, descendo, pedras, escarpas, agreste, escada, sol, sol, sol, calor, pedras, subir, descer, praia, um pouco, oceano, belo, pedras, peixes, nadam, observo, caranguejos, subo, desço, pedra, escarpa, areia.

correr. exausto. na praia. fui.

calor cão, suava profusamente, coração me xingando com vocabulário de torcedor de maracanã, motor de carro subindo ladeira em primeira (‘precisa correr mais, otário!’, algum espírito porquenho notará), eu xingando o Homem de Branco (vou culpar quem?, o Universo, ser sedentário, gostar de escrever e pensar, minhas horas de trabalho, ‘esse ritmo louco da sociedade atual’ … aliás, o que é esse negócio de que tudo tem que ter um culpado, na verdade? eu estava só esbaforido [do latim “ex+bafus”, sem ar; e queira deus que ninguém seja crente o bastante para levar a sério certas etimologias] …. estava ‘ex bafus’ e xingava o médico).

de volta à cena: cachorros, crianças com picolés, moças picolés emplastradas na areia, rapazes insanos jogando volei com areia bem quente, passantes de bicicleta - a coisa de sempre nessas cenas em que um autor pouco pode inventar.

na volta, temendo ficar como uma lagartixa que vi em Noronha — morta de secura porque correu para o lado errado no sol em uma longa faixa de areia —, tomo uma água de coco. ao meu lado, um dos jovens de 50 anos (ou 40 detonados pelo sol) sobe do volei e pede um conhaque Dreher na barraquinha. sem gelo. eu, incrédulo, quase sinto o álcool queimando, só de olhar. lembro do anúncio de algum guaraná que dizia “provoque a sede até não aguentar mais…” - bom, era esse cara.

volto, ainda esbaforido, mas cheio de planos para quando puder correr uma maratona sem muito esforço, lépido, fagueiro, esbelto, pensando em duas coisas: o que escrevo agora, da minha lista enorme; e que outra razão, senão profundo senso de surrealismo, faria alguém tomar conhaque ruim e quente num calor daqueles?

próximo assunto, que de praia já foi muito.

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