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Terça-feira
ago302011

Por que não deixamos Benjamin em paz e vamos, sei lá, ‘pensar’?

A resposta é “não sei”, mas foi uma das várias coisas que eu pensei ao ler, pela manhã, a resenha do livro de uma autora nacional (nova? não sei, não a conheço ainda, mas eu desconheço tantas coisas) em um dos poucos cadernos ‘de livros’ que nos sobraram.

Vou dizer coisas polêmicas – depois cada leitor se diverte olhando para dentro, e olhando em volta, e pensando o que acha sobre tais coisas polêmicas.

A primeira é: vamos combinar que é possível ir à esquina e falar sobre um livro sem ter que citar Benjamin? Vou ser um pouco mais ousado e dizer que, das pessoas que pensam, boa parte conseguiria pensar sem citar Benjamin. Parecem contudo estar acometidas por algum vírus, pois fato é que não conseguem. Espirram Benjamin no texto. Espirram Benjamin quando me enviam mails. Benjamin disse, Benjamin postulou, segundo Benjamin.

Sagrada que seja a vossa palavra, Benjamin, não vejo ninguém falando da complexa relação de Benjamin com seu momento histórico, e pouca gente formula teses a respeito de um pensador ‘hegeliano marxista’ que era fascinado por Baudelaire e Proust, vidrado pelas vitrines capitalistas de Paris de sua época e por aquela outra forma de arte decadente, o Romantismo… Acho que Baudelaire e Proust é o mais distante possível que você pode se colocar de Hegel e Marx.

Menos gente ainda vai escavar a imensidão (literal) de “Passagens” e relacioná-la, digamos, às teses sobre a História de Benjamin, ou criar novos esboços sobre sua tentativa de mapear – no melhor estilo Borges – toda a Então Modernidade em todas as suas formas de expressão para _____. Não sei o que vem depois desse “para”, talvez nenhum de nós possa saber, porque o autor morreu e nos deixou com um fragmento de fragmentos em mãos. Creio que temos mais dúvidas sobre Benjamin do que coragem para admitir este fato. [1]

Ainda assim, por que não falamos sobre Hegel na obra de Benjamin, por que não contextualizamos historicamente suas falas naquele momento tão específico de produção do pensamento e saímos falando sobre “a Obra de Arte” e “o Narrador” como se, de 1930 para cá, essas palavras-conceito ainda tivesse algum possível sentido em comum?

Não sei. Minha hipótese médica, com profusão de dados clínicos empíricos mas profundamente contestável conceitualmente, é que o vírus de que algumas pessoas estão acometidas as impede de pensar algo novo. Ora, todos sabemos que é impossível citar Benjamin para formular a base de uma leitura crítica do próprio Benjamin, de onde é bem mais seguro não formular uma leitura crítica de Benjamin. Para tal seria preciso — valha-me deus criador — pensar algo original a respeito de sua obra.

A outra coisa (pode ser a “segunda”, porque houve uma “primeira”, mas não sei contar argumentos) é talvez devêssemos combinar que Benjamin não escreveu um texto chamado “O Narrador”. Paradoxal, porque este texto nunca escrito é frequentemente citado por todo mundo.

Mas… mas… mas…. e o texto sobre Leskov? Ah, vocês dizem, aquele texto que se chama “reflexões sobre a[s] obra[s] de Nikolai Leskov”, Leskov que, na melhor tradição acadêmica contemporânea quase ninguém se obriga a ler para ter uma visão crítica sobre a visão crítica de Benjamin, Leskov que foi apagado para se tornar “O Narrador”?

É, este texto. Quem costuma citar o tal narrador de Benjamin sem ter lido Leskov por favor faça um exame de consciência metodológica. Obrigado.

Retomo. Na tradução para o francês de Maurice de Gandillac – que estudou de fato com Benjamin, até onde me lembro do que ele me disse muitos anos atrás –, leio “Le Narrateur”, mas quase todas as traduções para o inglês falam sobre “The Storyteller” – o contador de histórias. Provavelmente porque “narrative” é uma palavra comum em inglês, mas “the narrator” soa só como alguém escrevendo errado.

Do nosso lado, “o narrador” é aquele cara que todo mundo conhece, estudamos esse cara desde o colégio – logo, desde os 8 ~ 12 anos de idade ‘sabemos’ o que é um narrador (“é quem conta a história”, diz Dona Tetéia [2]). Mas “o contador de histórias” – the storyteller –, sabemos todos, é alguém que apresenta uma peça de teatro infantil aos domingos. Não é um Tema Literário Academicamente Relevante, bolas!

Volto. Leio todos esses que citam o tal “Narrador” com uma certa angústia, porque parece a eles que seja uma Teoria Atemporal santificada por Benjamin sobre …. ?  Sei lá: o que seria uma teoria válida, aqui?, que nos fosse útil hoje, para falar sobre livros de hoje? O que seria uma teoria que desse conta do fim do romantismo e da mudança do romance, como forma principal da escrita, para algo que já não é mais o romance, mas continua sendo, óbvio, uma ‘narrativa’?

Me perco, tergiverso. Peço desculpas, mas é uma condição frequente das pessoas acometidas por este mal que é o pensamento radical [3].

Discordando ou não de traduzir o “narrador” como “o contador de estórias” (vamos concordar que nossa abordagem do texto – e as apropriações indevidas que alguns, viróticos apressados, poderiam cometer ao lê-lo – muda muito quando trocamos essa figura quase sobre-humana e a-histórica, um imperativo categórico que Kant por acaso não listou - O Narrador - pela figura muito mais humana, transitória e frágil do “contador de histórias” – Homero, Faulkner, J.Conrad… esses caras.

Fico ainda mais angustiado porque todo mundo parece esquecer que este subtítulo de Benjamin - “Reflexões sobre as obras de Nikolai Leskov” - não pretende ser “Apontamentos para novos rumos da Teoria da Literatura”. Talvez Benjamin não pretendesse que seu texto fosse o Fundamento Canônico para a Discussão da Figura do Narrador na Modernidade e em Tudo O Que Veio Depois. (Lamento, o pós-moderno é passado, temos que nos desligar disso, não vou usar o termo aqui.)

Se fôssemos rigorosos, ou se tivéssemos boa memória histórica, teríamos ainda que contextualizar um pouco quando, como e por que Benjamin estava escrevendo sobre Leskov e narrando – Benjamin foi um dos grandes Narradores do século 20 - outra das tantas ‘mortes’ disso e daquilo a que assistimos ao longo do século 20.

Era 1936 quando Benjamin resolveu falar sobre Leskov e o folclore e, talvez sem que ele soubesse, Faulkner, bem longe, estava mudando a história de como se conta histórias com Absalom! Absalom!, que talvez seja, como, ahn, ‘narrativa’, frontalmente contrário ao conceito de Benjamin sobre, hum, ‘narrativas’.

Isso tudo, contudo, é minha curta introdução para dizer que li uma ‘resenha crítica’, pela manhã, que me deixou muito irritado porque era mais uma longa citação de Benjamin do que uma tentativa honesta de falar sobre o livro em questão. E, completamente indiferente ao que o artigo tinha a me dizer sobre Benjamin em duas colunas de jornal, fiquei decepcionado porque acabei não sabendo sobre o que falava o livro que foi convenientemente apagado da tal resenha. Preciso retomar isso mais à frente.

“O Narrador”, de qualquer forma, me soa muito como “O contador de histórias na obra de Leskov” e acho que isso é algo que vale um texto, meu tempo, e uns anos de estudo.

 

[1] Não citarei ninguém aqui, neste quase-manifesto contra citações, mas, se fosse citar, citaria um ensaio iluminado de Hannah Arendt chamado “Walter Benjamin: 1892-1940”, não só uma declaração de amor a Benjamin como também uma percepção muito sensível sobre as contradições do autor.

[2] Mas conta que história?, e o que é exatamente essa coisa de “contar”?, e até que ponto quem “conta” é quem narra?, e quem aqui foi ler Genette para tentar sair dessa trama infindável onde mesmo Foucault se perdeu?

[3] Traduzindo “as in” como “tipo”, para não soar pedante, radical tipo aquele que funda a si mesmo, ‘de raiz’, não o que é radicalmente contra ou a favor de coisas.

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    Por que não deixamos Benjamin em paz e vamos, sei lá, ‘pensar’? - Improbabilidades - Doppelgänger

Reader Comments (3)

Vou além: por que não deixar todos os autores em paz e pensar?

d.C. 2010/4 | Unregistered CommenterAdriano

É sempre uma idéia, Adriano - mas você sabe que Adão e Eva foram expulsos do Jardim de Academos por menos que isso (só queriam um suco de maçã enquanto debatiam sobre A Origem das Espécies). Eu me mantenho 'quieto', mas os indícios estão espalhados pelos textos ...

É verdade... É aceitar isso ou adotar um conformismo groucho-marxista genérico: "Não entro em academias que <<não>> me aceitam como membro".

d.C. 2010/4 | Unregistered CommenterAdriano

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