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Das internas

Entries in filosofia (7)

Domingo
jul042010

Sobre a Escrita (um divertimento)

Considere que é um exercício. Um ensaio.

.

A mão precisa desenhar pequenos símbolos de traçado vazado na superfície de uma folha de papel.
Outra vez de novo. Usando diversas cores canetas diferentes fontes.
Até (a mão) sangrar vermelho misturando-se com branco de 
palavras conformando matéria papel machê compondo
máscara que será a nova persona moldando minha
face.

Considere (que é) uma preparação sem fim

para aquilo que nunca virá:

Sala de Espera

para o fim do mundo.

 


Domingo
jun132010

“Eu tenho um sonho…” (e isso pode mudar tudo)

Acordei de um sonho particularmente profundo esta noite. Acordar não foi fácil, porque eu me lembro de muito daquilo que sonho; porque sonho de forma muito intensa; porque aquilo que sonha em mim tem acesso pleno a meus desejos, meus medos e a coisas que, em “estado de vigília”, não me permito pensar. Ênfase na palavra “medo”. Sobre os sentidos de “vigília” [1], basta dizer que vigília e vigiar têm uma raiz comum:

Vigília é o que fazemos durante o dia, vigiando as coisas e vigiando a nós mesmos para não correr riscos.

Sonhar é exatamente o contrário.

Quando escrevo isso, fico me perguntando por que a insistência do Budismo sobre a realidade – a vida da maioria de nós – ser “maya”, um sonho, do qual devemos despertar pela Iluminação.

E se disséssemos que o problema é o contrário?

Se disséssemos que nossa realidade é aquilo com o que sonhamos e que o problema é que nos falta a percepção de que, toda vez que nossa realidade se afasta demais de nossos sonhos, toda vez que não vivemos o sonho [2], perdemos algo, deixamos um pedaço de nossas vidas para trás (vivemos menos, vivemos menor) e algo em nós morre.

Acordei pensando nas coisas difíceis que eu disse ontem numa conversa íntima e pessoal. O que eu disse me incomodou a tal ponto que tive um sonho duro, cruel e incrivelmente lúcido sobre minha vida. Fiquei profundamente feliz e agradecido por este sonho-quase-pesadelo porque, entre algumas dezenas de coisas difíceis de sentir sobre meu passado, presente e futuro que estavam neste sonho, eu estava me dizendo duas coisas muito claras.

A primeira é que não basta sonhar: é preciso viver o sonho.

Viver um sonho de certa forma é “sonhar acordado” ou, melhor dizendo, é ter a coragem de enfrentar a Resistência (interna e externa) e viver os sonhos.

A segunda coisa que entendi, observando o sonho – não pensando sobre o sonho, mas observando o sonho, ou meditando sobre o sonho – foi que, para mim, escritor resistindo à própria escrita, uma tarefa importante é ultrapassar minha resistência quanto a ser um “ficcionista sério” para falar sobre “sonhos”. Não de forma completamente ficcional, complexa e combinada com elementos “literários”, mas como aquilo que eles representam para mim e como influenciam minha vida.

Preciso deixar algo claro, desde o início: nunca “conversei com Deus”. Nenhum anjo encostou em mim, tirando todas as mulheres que amei e aquela que escolhi amar mais que todas as outras. Não “vi a verdade”, eu tenho muitas dúvidas. Não sou guru nem profeta e a única coisa que “prego” é que as pessoas deixem de ter muitas certezas e aceitem suas dúvidas como uma forma plena de viver. Nada caiu sobre minha cabeça, nunca estive próximo da morte, não ‘vejo pessoas mortas’  e não converso com espíritos. Não sou “guru” de nada – a não ser Informática, se tanto, e ainda assim como uma grande brincadeira - e não tenho uma “profunda visão espiritual”.

O que eu tenho é uma vida rica em angústia, dúvidas, tentativas, pensamento. Tenho desejos, sonhos, idéias. Passo um tempo enorme pensando e aceito pensar sobre quase qualquer coisa, o que enche o saco de algumas pessoas que gostariam que eu pensasse sobre uma única coisa e diverte as pessoas que podem compartilhar de meus pensamentos mais estranhos (como quem lê este site, por exemplo). 

Devo a mim mesmo escrever um livro sobre os sonhos, sobre o sonhar, sobre o reino de Sandman; sobre as dúvidas, sobre como viver com a angústia sem se tornar um Filósofo Existencialista (o que pode ser bom, mas não é para todo mundo). E devo fazer tudo isso ainda que tenha um medo profundo de que termine se parecendo com um livro de auto-ajuda porque, na verdade, seja como for que eu consiga escrevê-lo, será exatamente isso.

A imagem mental seguinte é muito significativa e vou terminar o texto com ela: ouvi uma parte de mim dizer: “É como Martin Luther King, não é? Você tem uma idéia para mudar o Mundo, mesmo que essa mudança possa ser apenas com mudar a si mesmo, e em seguida você estará liderando milhões de pessoas e fazendo um discurso começando com “I have a dream…” - eu tenho um sonho” … e todos sabemos o que eu me disse em seguida, não é? Martin Luther King foi assassinado por muitos motivos, mas podemos sempre resumir e dizer que ele foi assassinado porque escolheu viver seus sonhos. “A Resistência” [3] não gosta disso, melhor silenciá-lo.

A outra coisa que eu me ouvi dizer é que Jesus Cristo também foi um grande sonhador. E, claro, foi parar na cruz. Apesar do final de “A Vida de Brian”, do Monty Python, em que os Brian & os crucificados cantam e assobiam “veja sempre o lado alegre da vida”, todos sabemos que ser crucificado é tão ruim que virou expressão corrente para servir de Cristo ou, mais coloquialmente, “ser detonado”.

Apesar destes dois avisos fúnebres, cortesia do meu lado vigilante, resolvi seguir em frente com meu sonho, com todas as dificuldades que sei que ele contém. O que estou fazendo agora, ao escrever o meu livro – e ao decidir que irei terminá-lo de fato, e entregá-lo de fato para que seja publicado de fato – é começar a viver meu sonho.

PS – Sobre as [NTs] deste artigo e outras coisas que não deu para escrever aqui, leia “Um artigo cheio de pós-escritos” – está tudo lá, exceto o que eu tiver esquecido.

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