Borges e Calvino, PUC, ca. 1990

Eu passei a faculdade de letras com dois grandes traumas: Borges e Calvino. “Todo mundo” em volta não parava de me dizer quão genial era esse ou aquele texto de Borges e como “Se um viajante numa noite de inverno” era o mais fantástico dos livros.
Eu, que nunca tive ‘dificuldade’ em ler ninguém e sequer concebia o conceito de ‘autor difícil’, eu, que achava bonito e sonoro ler “Galáxias”, do Haroldo de Campos (é semi-incompreensível boa parte do tempo, mas é um dos livros mais belos que conheço), eu achava que eu tinha algum “problema” porque não conseguia passar do início do “Viajante” – na época, esgotadíssimo, mas eu tinha conseguido um exemplar emprestado [aliás, Adriana, ainda está comigo; se você passar no site, esteja onde estiver, eu devolvo, é só mandar um mail – e desculpas pelo atraso de 20 anos, mas você sabe como são as coisas …] – e Borges…. sei lá. Eu lia, achava as idéias geniais, aí acabava o texto e eu voltava para meus amigos e perguntava: tá, mas o cara não escreve.
Me insultavam horrores, mas Letras, na PUC, em 1990, entre meus amigos e as muitas amigas e “amigas” (uma amiga trabalhou comigo no Gênesis, anos mais tarde, e um dia me disse que eu dividia as mulheres em “amigas” e amigas – ela fazia as aspas com as mãos e eu morria de rir; mas esta Márcia nunca teve aspas, devo dizer logo, antes que o então-já-marido dela me mate) ….
Me insultavam horrores, mas Letras, na PUC, em 1990, era um grande calvinbol literário e nos divertíamos muito, entre os amigos que faziam Lit. Inglesa e xingavam até a morte o (aparentemente intragável, não sei, fiquei com medo e nunca li) Chaucer de “A Trolha Crescida” [Troilus and … pois é], os que citavam trechos de ópera em alemão (ou italiano ou o que fosse) e em meio a todas as discussões sobre “as gavetas universo”, que ainda não virou um conto porque eu nunca encontrei um final (e Soninha também não estava em condições de explicar o final da teoria, no dia; no dia seguinte, o fato de eu ou qualquer outro dos presentes sequer nos lembrarmos do enunciado básico já era enorme prova de memória).
Tudo isso é fato – ou, pelo menos, “meus” fatos – mas eu estava falando sobre a questão com Borges e Calvino.
Até hoje não li o “Viajante” e sei que, se eu escrevesse isso, um monte de gente ia mandar mails ou comentários dizendo: como é que você não leu o Viajante?
Eu ia ter que explicar que li outros livros do Calvino, que amo, enormemente, as “Seis Propostas para o Próximo Milênio” (embora jamais tenha passado da primeira) e que acho interessante “O Visconde Partido ao Meio” (esse eu terminei, essencialmente porque era fino).
Sou apaixonado pelas “Cidades Imaginárias”, um livro que eu amaria ter escrito, a tal ponto que é como chamo as “Cidades Invisíveis”, título real do livro do Calvino. Que nunca li, óbvio, porque o conceito é tão genial, e o potencial é tão incrível, e o que imagino que o livro possa ser é tão fantasticamente bom que morro de medo de ler e me decepcionar. Então, assim como muitas vezes é melhor você não transar com aquela mulher for-mi-dá-vel que você conheceu (quando as expectativas são altíssimas, cair na real é muito pior), por vezes é bom deixar o PDF fechado no disco rígido. (Tá, tá, eu tenho uma cópia impressa, mas prometi dar para alguém legal quando desativar a Biblioteca Física de Babel na próxima mudança, que é este ano!)
Calvino é, para mim, o escritor que mais se aproxima da minha idéia dos “Livros de Próspero”, o que é outra história engraçada porque eu não acho que meu conceito dos Livros de Próspero tenha a ver com Shakespeare.
Mas eu prometi que meus textos não iam passar muito de uma página, então deixo para falar de Borges antes, ou depois, dependendo completamente de onde você entrar no Jardim dos Caminhos que se Bifurcam.
Reader Comments (1)
Ah! Eu tb não li o Viajante!! Mas pq nunca achei quem me emprestasse pq ele tava esgotadíssimo. Sempre tive vontade de ler este livro só pq os capítulos enunciados no índice formam um poema. Achei lindo isso... :oP