Imagens & Tópicos
Das internas

Entries in Música (9)

Segunda-feira
abr112011

Keith Jarrett, Municipal, Rio, 9 de abril de 2011

quando você sabe que um improviso terminou? se você toca um instrumento solo, quando você diz ‘acabou’? como você ouve um improviso, um solo, e diz ‘isso foi muito bom’, ou, pelo contrário, você pensa ‘não teve foco’?
levei anos para chegar a estas perguntas. espero que não haja uma só resposta para elas: John Cage escreveu: “vocês me perguntam qual o propósito da Arte; se houver um só propósito e 100 artistas, o que os outros 99 ficarão fazendo?”. é uma das coisas mais relevantes já ditas sobre Arte; não lembro das outras 99 agora.
um improviso termina com um sentimento de ‘closure’, fechamento. isso vale para um texto, um romance, um filme.
quando eu toco, quando eu escrevo, digo que ‘acabei’ (de improvisar, de colocar idéias em um texto) quando um conjunto de sentimentos-sons-palavras parece ter se esgotado. qualquer coisa ‘depois’ me soaria redundante.
você diz que um solo do Keith, ou de qualquer outro músico, foi ‘muito bom’ quando você tem tempo de estrada suficiente para ver uma estrutura (reconhecer padrões) no solo; ver que uma estrutura  - uma música, um tema - foi desenvolvida e, em certo momento, atingiu um ápice, para, depois, chegar a seu fechamento.
eu sei: não é possível dizer como descobrir um ‘padrão’ em um solo, nem definir qual ‘estrutura’ Jarrett estava desenvolvendo a cada peça que tocou; o ‘ápice’ pode ser sentido pelo Municipal inteiro como um “aahh!”, mas não pode ser escrito. e ‘fechamento’… não é ‘quando termina’, mas sim quando você sente, dentro, que algo foi concluído: acabou. aplausos.
a impossibilidade de definições permite que haja várias formas de música, permite a pluralidade que a cultura de massa tenta sucessivamente negar. a cada solo, a cada improviso que nunca se repetirá, Keith Jarrett nega a música como linha de montagem que nos ensurdece, hoje.
preciso dizer duas coisas antes de ‘concluir’: ao entrar no palco, na primeira peça, e, mais uma vez, num momento de irritação durante a segunda metade do espetáculo, Keith puniu a plateia com uma cacofonia desagradável de sons; foi constrangedor, como uma criança dizendo palavrões gratuitos, mas suponho que, naquele momento, tenha sido a forma que ele encontrou para dizer “seus imbecis, eu estou aqui tentando lhes dar algo de belo, algo único, algo que é parte de minha alma e vocês estão tossindo, falando besteiras, alguém tirou uma foto, vocês são crianças mal educadas e eu vou punir vocês”. considero-me punido. (e, não, não adianta argumentar que ‘aquilo’ era música - não era não. era a versão tecnicamente melhorada dos exercícios que faço para aquecer as mãos antes de tocar; perdemos pontos, todos, por não ficarmos em silêncio sepulcral depois da bronca dele para que ele soubesse que, sim, entendemos que havíamos sido punidos)
a outra coisa é que, embora várias peças curtas foram belas, houve apenas duas em que Keith conseguiu alcançar o nirvana musical que tantas vezes ouço nos discos dele, nos improvisos mais longos - o momento em que você percebe que a música foi ‘além’, que houve uma mágica para além da brincadeira de improvisar no formato de um blues de 12 compassos; em dois momentos as Musas se fizeram presentes, deus estava ali, Universos foram criados e existiram durante alguns segundos, o inconsciente coletivo foi tocado. nomes não importam, conceitos não importam, só a música dele importa.
ter estado presente nestes dois momentos é algo que meu ingresso nunca poderá pagar, é um privilégio, é compartilhar por instantes o olhar de alguém capaz de nos mostrar um mundo mais belo.
pouco provável que eu possa agradecer pessoalmente a Keith Jarrett pelo que ficou dentro de mim após aquele concerto, mas posso, ao menos, improvisar usando palavras para dizer a outros parte do que senti.
só este texto não basta, mas este texto é só o que consigo dizer, aqui, agora.

Domingo
jul042010

11 Fragmentos sobre ____

Isto não é exatamente uma reverência
Eu vi seu corpo na TV sendo imolado
Sua imagem, muito papo furado;
Homens ateiam fogo às suas guitarras
Há muito tempo
Homens ateiam fogo às suas roupas
Desde que eu me conheço

[Fragmento 001]
[Tipo: letra de música]
[Autor: Fellini (a banda dos anos 80; não o diretor de cinema)]
[Origem: História do Fogo, in “O Adeus de Fellini”]
[Data de inserção: 14 jan. 1990]

 

Sábado
abr242010

Lady Gaga é 'segura' porque é careta, mas não parece

Isso vai ficar para depois, tem ‘projetos’ desabando binariamente em cima de mim neste exato momento. Foi algo que compreendi no almoço, pensando em um monte de coisas (não tem projetos no almoço).

Uma amiga querida me escreveu dizendo que a sobrinha, de 10 anos, tinha pedido que o ‘tema’ da festa de aniversário dela fosse Lady Gaga [1]. E ela disse, no mail: não é Xuxa e não é High School Musical (HSM), é Lady Gaga.

Ouvi e prestei atenção. Também prestei atenção ontem quando uma colega tradutora > 30 me disse, no Twitter, que gostava da Lady Gaga. Fiquei pensando (é o que eu faço, desde sempre; estou tentando apenas fazer isso profissionalmente e ser pago).

A conclusão é que Marilyn Manson… “não”, sabem? Porque ele leva a sério, porque ele faz aquilo que prega, porque ele canta expressando cada palavra que ele pronuncia, porque ele não está num cos-play, ele assume o personagem que criou para si. E retoma o mito pinkfloydiano do astro rock como ditador & deus. Com as devidas consequências também já detalhadas em The Wall. 

Mas Lady Gaga …. poxa, brincar de achar que você é fetichista é ‘ousado’. Mas você não é de fato. Brincar de ter sua roupa rasgada é ‘ousado’ … mas ninguém rasga nada de fato. Brincar de levar a sério uma paródia de tudo o que é o imaginário pop atual … é divertido, mas você se machuca bem menos se aquilo tudo for só de mentira e você puder deixar a roupa estranha, a maquiagem bizarra e sua ‘persona’ do The Sims Get Real para trás, e daí … você vai cuidar da vida, vai ter 10 anos, vai fazer suas coisas tendo vivido aquela ousadia fake, para consumo.

E, sim: enquanto o Marilyn e a banda detonam nas guitarras distorcidas e nos vocais rasgados, tem uma moça com melodias pop ultra-pensadas, que não tem nem mais os famigerados ‘quatro acordes de todas as músicas pop’, só tem um e uma variação do um, a batida … Vengeance Sound, o som está pronto, já foi definido, testaram em Ibiza, sabem que funciona - compre os loops da Vengeance, use o baixo sem graves do Access Virus… é assim que se faz pop, hoje.

Com ousadia de boutique. 

Retorno.

 

[1] Na minha época, corríamos e brincávamos. Se tanto, tinha mágico. Hoje, festas infantis são mais uma indústria capitalista bizarra, com ‘temas’, decoração, bolo com imagem fotográfica, animadores *e* o mágico, som estupidamente alto dos animadores para uma geração de futuros surdos-funcionais, ‘barraquinhas’ de junk food para uma geração de obesos e … ah, sei lá, ia só dizer que as crianças continuam gostando de correr e brincar; nós, adultos, é que parecemos ter perdido o saco / tempo de deixar que elas façam isso. Pagamos quanto nos cobram, mas a conta real vem mais tarde.

Sexta-feira
abr232010

A música que (insiste em) viver

[desculpas a quem leu antes da correção - a banda-duo-crazy-outfit é Pomplamoosemuzic, eu errei na v1.0 - mas, na boa, tudo bem em radicalizar e ser pop-antipop, agora, tem que dar para lembrar do nome da banda, FCS!)

O que realmente me diverte na Grande Rede é que é uma espécie de implementação, simples e sem nada ‘quântico’, da (bastante quântica) de Realidade Alternativas e mundos paralelos.

Eu escrevi hoje (23 de abril, dia de alguma coisa aí e suposto feriado para quem não é autônomo) sobre a Morte da Música e, em algum momento, vou criar minha própria Topologia Geral Irrestrita e dizer que, na Era YouTube (‘broacast yourself’), que é também a Era do Viva-Eu, Lady Gaga não só faz sentido como é uma decorrência necessária – existe um topos a ser preenchido e ela chegou lá primeiro. (Com a Beyonce e uns outros.)

E aí me mandam um link (queria muito saber quem é, mas é uma “newsletter mutante” que recebo e nem sei como fui parar lá, só sei que gosto!) de uma banda-de-duas-pessoas que, pelo que vi, grava em um estúdio altamente improvisado em casa e faz … covers tocados (‘tocar’ é aquela coisa antiga em que você pega um instrumento, acústico ou eletrônico, tanto faz, e produz música usando o instrumento) de músicas como “Telephone”, recente sucesso da Lady Gaga.

Chamam-se “PoomplamooseMusic”. Parecem ser uma moça e um cara – ambos figuraços, mas a moça poderia em um seriado qualquer enquanto o cara, bom, ele é um figuraço e fico feliz que ele tenha toda cara de pau que eu queria ter mas esqueceram de colocar na EPROM. A moça definitivamente canta. E ela definitivamente toca baixo. E o cara definitivamente toca um monte de coisas. Inclusive um xilofone de brinquedo e caxixi (vulgo “ovinho”) [1]. E acho que é ele que sabe mexer com um programa de áudio sério no Mac, porque a produção é boa… considerando-se o equipamento e a ‘inacústica’ visível (e audível) de onde gravaram.

Mas os dois ARRASAM! E mostram que aquela coisa altamente subestimada no momento, que costumávamos chamar de “musicalidade”, faz uma falta canina.

Enquanto L-GG usa muito dinheiro, um porrilhão de produção e uma quantidade inominável de camadas (layers) de vozes processadas e um som de baixo “na moda”, mas incrivelmente ruim, e uma batida debilóide, bom … eles tocam!

E já disse que arrasam?

Vão lá ouvir, eu não posso fazer nada além de olhar, impressionado, enquanto alguém usa uma marimba de brinquedo como parte de um arranjo com guitarras, piano e um clavinet … ou perto disso.  

Vamos lá: YouTube –> PomplaMooseMusic e, para começar especificamente com um bom vídeo-arranjo deles, procurem no YT -> PoomplaMoose + Telephone. (Estão passando de 1 milhão de views em vários dos vídeos – daqui a pouco batem a Lady Gaga [eh, tá, vale a esperança..], colaborem porque os caras merecem e porque, no meio de Mais-do-Mesmo, eles são Eles Mesmos.)

Enjoem-se!, e deixem comentários mais tarde, estou curioso com essa…

 

[1] Como estou achando legal colocar meus comentários enormes em ‘notas’ — um troço que nem existe, conceitualmente, na web —, lá vai mais uma: uns 8 anos atrás gravei um grande músico tocando “ovinho” direto: 3’30” de uma vez, com poucos overdubs, na época em que era ADAT 16 bits, e vou dizer que é difícil para caceta manter o ritmo direito naquela parada. Fim da nota.

Sexta-feira
abr232010

The Days the Music Died – Quando a música morreu: intro

É melhor eu começar explicando meu título e o que pretendo com isso. Sou (entre outras coisas) um ex-produtor musical, ex-engenheiro de gravação e continuo sendo um sujeito que ama música (apaixonadamente), amigo de músicos, com uma vasta memória e vasta biblioteca musical e, por último mas não menos importante, mesmo depois de ter desfeito a sociedade do estúdio de gravação que um dia tive, mantenho um estúdio ‘caseiro’ com um rack de sintetizadores e efeitos, algumas placas de processamento digital de áudio no computador e os respectivos algoritmos, além das caixas de som ‘de referência’ e dois headphones considerados, como um todo, ‘incrivelmente bons’.

Em outros artigos-ensaios aqui no site já disse também que me coloco na posição de ‘pensador da cultura’, que é um jeito de não sair fazendo Filosofia em lugar onde não acho que se deva falar de Filosofia e também um jeito de poder falar de coisas que, a meu ver, têm sido excluídas de um certo pensamento mais formal e mais aprofundado, não-jornalístico, que muitos diriam ‘acadêmico’, mas não sei se o termo (ainda) faz sentido, ou se importa.

Pensar importa. E tentar pensar mais a fundo sempre importa.

A série de artigos (quase tese, na verdade) que resolvi chamar de “The Days the Music Died” é uma óbvia referência ao clássico “American Pie”, de Don McLean, sobre o qual espero escrever mais à frente. Don McLean falou sobre UM dia no qual a música morreu – o dia em que Buddy Holly e sua banda morreram num acidente de avião, em 1959 – mas eu preciso falar sobre vários dias, de onde meu plural no título.

Não quero falar sobre Don McLean, embora tenha descoberto, fazendo pesquisa nos últimos meses, que a quantidade de teorias e interpretações e a importância cultural de “American Pie” são maiores do que eu pensava. Ouvi várias vezes American Pie, passei engarrafamentos inteiros pensando neste assunto (e ouvindo American Pie), ouvi até mesmo a paródia hilária do Weird Al Yankovic  (“The saga begins”) que estava no YouTube [1].

O que acho que precisa ser pensado, hoje, é o que aconteceu com a música depois que ela morreu. Em seguida, como nada que seja importante (‘essencial’, eu diria) consegue permanecer morto por muito tempo, eu gostaria de pensar sobre onde ainda há música e em que condições ela pode ‘renascer’.

Acho que tudo o que eu tenho a dizer é altamente polêmico – notando que eu não sou polêmico, mas minhas idéias são. Todo mundo que acha que a “DJ culture” é uma cultura, de fato, e não um mero fenômeno mercadológico passageiro deve tentar bater em minhas idéias tão forte quanto puder. Se isso acontecer, vou ficar feliz, porque quer dizer que (a) estou falando sobre algo que toca as pessoas e (b) críticas permitem pensar mais à fundo, mais à frente.

O resumo do que eu tenho a dizer (e o final desta introdução) é o seguinte:

Desde que as Grandes Gravadoras quebraram, por sua ganância, completa burrice e, dizem elas, pela ‘inevitabilidade’ da distribuição gratuita e ilegal de música pelas redes P2P, ficou muito difícil estruturar financeiramente uma carreira. Ficou difícil produzir discos numa estrutura qualquer que não seja o que eu chamo de ‘eu, eu e mim mesmo’. Que é necessariamente uma droga, se aplicada a toda a produção mundial. Estúdios quebraram, produtores, engenheiros e músicos foram plantar galinhas, equipamento de áudio de alta qualidade foi substituído por coisas muito baratas (“acessível” é bom; “muito barato” é o que você compra em um camelô musical e não é mais tão bom). Toda uma cultura de como fazer música e como interagir para fazer música se perdeu.

Um pouco pior, além da catástrofe sônica que já estava em andamento com o aumento radical do volume médio das músicas nos CDs, veio a Grande Peste Musical do Mp3. Que piorou ainda mais com o YouTube que, enquanto a largura de banda dos usuários médios de Internet não melhorar muito, tem mantido boa parte das coisas em MONO, embora, ao longo de 2010, eu esteja vendo surgir cada vez mais áudio estéreo de qualidade ‘quase igual a um Mp3 decente’.

O resultado desses dois parágrafos um pouco ultra-simplificadores aí em cima é aquilo que estou chamando de “morte da música”.

Agora tenho vários artigos-ensaios pela frente para desenvolver o assunto, então peço a paciência de todos. Prometo que vai ser uma montanha russa  de pensamentos muito ‘radical’.  ~;0)

[1] A música do Yankovic continua lá, mas o YouTube virou cadela das Corporações, então, por “questões de direitos intelectuais”, o excelente vídeo foi removido, as 100 e poucas mil pessoas que voltaram a conhecer e gostar do Weird Al Yankovic vão perder algo imperdível e, em vez de poder se divertir com o vídeo genial, é preciso se chatear com um monte de slide shows idiotas. (Die, YouTube, die! – seus burros!, vocês não entenderam nada do que aconteceu desde que a internet foi criada até agora?)