fragmentos de um amor discursivo
pensei em te dizer tanta coisa mas no fim
é sempre o tempo que nos mata, nos cala,
e fica apenas
esse desejo espesso que pode ser sentido no ar vítreo
de dias quentes como hoje;
fica apenas esse
silêncio na caixa-forte eu
perdi a combinação nos escombros do corpo.
[crédito da foto: Paula Anddrade [1] ]
pensei em te dizer isso, aquelas outras coisas todas,
o ano que passamos em Marienbad; comentar um trecho
falar sobre os noticiários coisas que tenho composto
todo um jornal nacional a colocar no ar exceto que
momentos adequados não vieram não me encontraram em casa
as três mensagens perdidas no celular aquela carta perdida no México –
passaram anjos esparsos e, de resto,
teus seios colados ao meu rosto, horizonte de eventos.
acaba sendo tudo tão rápido quando é intenso
e no tempo – 45 minutos, 3 meses, 26 anos (quantidades distintas) –
só há sentido quando podemos senti-lo quando
quase pára
gruda nas escamas do ser
ondas de sal de mar abatendo
nossa consciência;
acaba tudo tão rápido, clarão tragado por escuridão
e todo o demasiado intenso comprime
o sangue adensa a eletricidade interneural e
borrado distante vertigem eu
sou espectador do filme que, no entanto, dirijo.
das coisas a dizer nada fôra muito importante
nada fôra nada não nada houvera senão te olhar:
teus seios: meu rosto: cabelos recobrem; você tem
um corpo de universo com gosto de luz bem clara, então
estar junto em nós é tão simples que inventamos essa
infernália complicada para que soe maior, do contrário seria o quê?
(desejo de compartilhar: meus olhos
entrelágrimas de sorrisos.)
reclamo ainda assim de algumas conversas surdomudo que travamos,
canais fechados freqüências assonantes
discrepâncias pragmático-discursivas.
talvez eu, preso nas urgências de minha cotidianidade imprompta,
tarefas prazos ligações contratos – já foi;
talvez você, procurando sei lá que distanciamento silente em outra
que não si mesma
(o que você quer, de fato? me diz, anda, faz, vai,
mas não empata a foda porque é isso que fode, tudo)
em meio aos sobrinhos abusivamente barulhentos
àquele meio de mato meio de nada onde você estava;
isso e o maldito telecom que não está não está lamento ela partiu.
reclamo assim agora aqui sabendo que nada será / foi
daquele jeito d’outrora e, sim,
tudo que foi teve que ser, daquela exata forma,
daquela exata forma: era nossa única, a possível.
nada impede sacodir a varinha mágica
balbuciar alguma besteira e
pronto!, teremos mudado por inteiro o estado de tudo.
(a realidade é tão somente uma rede de desejos, não me enche com trivia,
reconfigura e procede, o universo segue, tudo se segue daí)
e meu desejo agora é interromper isso
partir deixando abaixo outro texto que escrevi
não só para você mas
também para você, pouco depois.
feche a cortina;
apague a luz;
mexa-se na cadeira e – silêncio –
o primeiro
personagem acaba de entrar.
SEGUNDO ATO
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[1] Para ver as belas fotos da Paula Anddrade, sugiro visitar a página dela no Flickr.