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Das internas
Segunda-feira
out042010

Wall Street v2010: mais do mesmo, um pouco melhor

Antes de falar sobre o Wall Street 2010, queria falar rapidamente sobre a primeira versão deste filme do Oliver Stone. Vou chamar de “primeira versão”, mesmo, porque a versão 2010 é, conceitualmente, uma refilmagem melhorada do primeiro. Claro que o filme é diferente porque o mundo mudou e a forma de filmar mudou, mas é só isso: a trama é tão ‘colada’ na primeira que me senti vendo a mesma coisa outra vez, só que o novo filme é bem executado e dentro do cenário econômico pós 9/11, pós quebra dos mercados em 2008, pós surgimento da China como grande potência econômica mundial.

Gekko é Gekko, Bud Fox foi transformado em Jake que está apaixonado por Winnie, a filha de Gekko. Existe um “cara mal”, para dar continuidade ao motto de ‘jogo e vingança’ que já existia no primeiro filme. O romance de Jake e Winnie não me diz nada e, como a trama supostamente é baseada no conflito criado pela ganância de Gekko, uma certa soma de dinheiro, o desejo de vingança de Jake (Gekko não é ‘bom’ agora, mas também não é o alvo da vingança) e as manobras em torno disso … Bom, talvez funcionasse se Oliver Stone conseguisse construir personagens – ele não consegue – ou se o suposto conflito presente na trama tivesse algum interesse. Não acho que tenha, é tolo, é simples, é óbvio e imediato.

Assisti o primeiro Wall Street, de 1989, há cerca de uma semana, em DVD. Poderia passar à tarde na TV aberta; serve como rápida nota histórica e cultural sobre a segunda metade dos anos 80; mas, como filme, é chato. Chato a ponto de dormir ou desligar ou ir fazer qualquer outra coisa melhor.

Não é a primeira vez que me surpreendo (de forma ruim) com o quanto a estética de cinema mainstream dos anos 80 envelheceu mal para nós, nestes anos 20xx. Preciso falar disso em outro texto, contudo, porque é um assunto longo. Por enquanto, basta dizer que Wall Street v89 soa ‘poser’, como um comercial de TV ou uma tele-série barata. A fotografia tenta usar umas ‘novidades’ que, hoje, soam ridículas, a trilha sonora com synthpop dos anos 80 soa mal, mas o pior são os diálogos.

Na minha visão, Oliver Stone perdeu duas chances de fazer bons filmes comerciais, mas que poderiam ser críticos e profundos (dentro dos limites da produção mainstream de Hollywood), sobre a grande piração que são as bolsas, os mercados de capital, os bancos de investimento e os homens que vivem à sombra do dinheiro e do suposto ‘poder’ que esse dinheiro lhes traz. [1]

Do jeito que foram produzidos, os dois filmes dão uma ‘pincelada’ em assuntos importantes- capital, bolsas, a especulação substituindo a produção como valor social -, mas, mesmo quando Wall Street 2010 fala sobre o ‘crash’ das bolsas de 2008, com Gekko fazendo uma crítica ao atual modo de vida norte-americano – viver do refinanciamento de dívidas que nunca podem ser pagas -, é quase um comentário breve, um pano de fundo para validar a trama (tola) do filme. Stone não consegue passar da superfície dos fatos e  não nos permite pensar muito sobre o que aconteceu.

Eu teria ficado muito feliz em ver um produtor de filmes (não é o mesmo que ‘cineasta’, não é?) dos EUA indo além do recurso barato de colocar o personagem de Gekko em uma palestra universitária pronunciando frases de efeito pseudo-profundas sobre o atual mercado de capital, o problema das dívidas, a geração NINJA (No Income, No Job, no Assets) e outras coisas que me fizeram dar um meio-sorriso rápido. Mas o filme é só isso, não vai além em nenhuma direção.

Stone também ‘percebe’ que a informação, hoje, flui muito mais rápido pela rede e que rumores sem fundamento podem destruir empresas ou criar fortunas. Coloca isso de forma visualmente agradável, graças à eficiência gráfica dos computadores atuais, mas também não leva isso ao limite, não explora o assunto.

Se alguém fizer um “Matrix Wall Street”, será um grande filme.

Para fechar, se alguém teve a pachorra de ler até aqui para saber se é para assistir o filme ou não, eu diria que sim, em grande parte porque tenho total noção de que sou mais crítico do que boa parte dos espectadores. Não ‘julgo’ essa minha crítica: pior, melhor…. tem sentido fazer tais perguntas? Não creio.

Posso afirmar, com razoável certeza, que as pessoas que se lembram com alguma simpatia do Wall Street v89 vão gostar mais do atual. E, se alguém acha que ‘precisa ver’ a versão 89, eu diria que até mesmo em DVD, podendo parar no meio, é completamente dispensável, mas, novamente, o aluguel do DVD é barato e cada um decide sobre como usar seu tempo.

 

[1] Cabe um outro ensaio, aqui, sobre a natureza do ‘poder’, ou as muitas miragens do que seja ‘poder’, e de como parece que temos essa necessidade embutida em nosso hardware, hipoteticamente para resolver uma questão insolúvel: nunca temos o poder de evitar nossa morte. Tentamos, contudo, comprar qualquer ilusão que nos faça pensar o contrário.

Sexta-feira
out012010

uma ficção [em inglês] por cima de “Almost Famous”

escrevi este texto para um amigo americano em 2002, após assistir, pela primeira vez, “Almost Famous”, um filme que me parece essencial para entender a história & parte do percurso da música rockpop. muita coisa a pensar, e o que pensei, na época, foi tão forte que acabei escrevendo como um texto quase ficcional, mesclado a títulos de músicas e referências que funcionam como parte do texto em inglês, mas se perderiam em português. para completar, ainda uso um monte de expressões que só existem em inglês e faço uns jogos de palavra sem sentido em português. sem falar no ritmo, que mudaria todo, e o ritmo de um texto é visceralmente importante, para mim.

esbarrei com o texto hoje. pensei em traduzir – acho que sempre penso nisso – mas não tenho coragem de mexer no meu próprio texto, eu sei, de cara, que meu resultado final em português não pode ser tão bom quanto meu original, por mais que o original possa ter suas falhas.

resolvi publicar em inglês, então, temporariamente reconhecendo que há coisas que não podem ser traduzidas sem que sejam dolorosamente alteradas. suponho, contudo, que doa menos – que importe menos – quando o tradutor não é o autor.

 

Just saw “Almost Famous”, and I got  my old record player kinda working here, though it’s badly messed up as far as mid/high freqs go and I’m getting heavy dropouts here and there, but I’m like, you know, just listening to Supertramp on  vinyl anyway, and I’m thinking nothing will ever bring back that magic that’s kept on each and every scratch of an LP surface – no Mp3 distortion gumbo, no PC-DAW hum crack cleaner algorithm… hell, we shouldn’t even by trying to “clean” audio to start with, those scratches are what happened in our lives, they speak of the story behind that particular piece of vinyl, maybe just twenty years past right now, and at times I remember the wild parties or quiet romantic nights or stoned far out talks with friends when someone accidentally bumped into each expensive-as-hell and mighty-difficult-to-get imported album, but anyway, you see, the big contradiction lies in the fact that the movie – this is still about “Almost Famous” – got here on DVD and that was a 150 min. “director’s cut” that you can’t just go out and watch on the big screen, so I’m in really facing this mind boggling puzzle, thinking as I do about what that writer editor guy character in the movie said, maybe it’s all over, rock’n roll is really dead by now and the whole war on what music was would have gotta should have been all about and the 70’s “bus touring band” thing, but then again the moon did always have a Dark Side and maybe right now it’s a whole new game with lots a stuff we still can’t make out clearly because we’re just immersed in it and we have our own wars to be fought & thought, so maybe it’s all a trick of the tail, can’t be sure about a thing, but maybe the trenches have moved over to digital domain 192 KHz sampling rates 32 bit 5.1 surround and planetary scale mass distribution schemes flowing throughout  an endless network of computers, no more atom heart mother but electron optic fiber instead and I recon maybe we just wanna move in the fast lane, flash by this tale full of sound and thunder watching as if it were a kaleidoscopic vortex of images getting  blurred with shearing speed, but then again there are things to be said and that’s what I tell you when I say a  thesis must be written, a book must be published, music must be recorded; because, no matter what, all that is all that probably keeps us moving, not “ahead”, there’s no end point, no final station, no destiny, no conclusive gathering of meanings & purposes, but rather moving in (hopefully) larger circles, trying new connections as we go buy, failing miserably by the thousands so that a fortunate few can make it, it’s all in spreadsheets of life expectation statistics, and I’m here typing and remembering the “other” Charles, the Bukowski guy, days at the races, nights at the bars, endlessly fucking the next lover or whore (he didn’t care much about which was which) and seeing the keyboard as the 38’ that it really is, and I had a stupid day doing worthless meaningless 10 sec. silence insertions in some painfully dumb digital audio file where someone was dabbling about loving yourself and how your whole life is great and satisfying, no matter you  keep having gut feelings it’s all wrong in some subtle but definite way, but, hey, it’s such a shame about it, I used to think that it would feel so good, but who’s to blame about it, I’m in this dumb motel, near the “Taco Bell”, without a hope in hell — I can’t believe that I’m still around.

If I only had time.

Right now gotta go, some more lines to be written elsewhere before the night moves over to its dead end sleep and all my views crash and dissolve in dreams and in the merciless sunlight of another washed out Sunday summer mourning.

Segunda-feira
set272010

fragmentos de um amor discursivo

2293050120_75397c6f57 longing [tags] Paula_x

 

pensei em te dizer tanta coisa mas no fim
é sempre o tempo que nos mata, nos cala,
e fica apenas
esse desejo espesso que pode ser sentido no ar vítreo
de dias quentes como hoje;
fica apenas esse
silêncio na caixa-forte eu
perdi a combinação nos escombros do corpo.

 

[crédito da foto: Paula Anddrade [1] ]

pensei em te dizer isso, aquelas outras coisas todas,
o ano que passamos em Marienbad; comentar um trecho
falar sobre os noticiários coisas que tenho composto
todo um jornal nacional a colocar no ar exceto que
momentos adequados não vieram não me encontraram em casa
as três mensagens perdidas no celular aquela carta perdida no México –
passaram anjos esparsos e, de resto,
teus seios colados ao meu rosto, horizonte de eventos.

acaba sendo tudo tão rápido quando é intenso
e no tempo – 45 minutos, 3 meses, 26 anos (quantidades distintas) –
só há sentido quando podemos senti-lo quando
quase pára
gruda nas escamas do ser
ondas de sal de mar abatendo
nossa consciência;

acaba tudo tão rápido, clarão tragado por escuridão
e todo o demasiado intenso comprime
o sangue adensa a eletricidade interneural e
borrado distante vertigem eu
sou espectador do filme que, no entanto, dirijo.

das coisas a dizer nada fôra muito importante
nada fôra nada não nada houvera senão te olhar:
teus seios: meu rosto: cabelos recobrem; você tem
um corpo de universo com gosto de luz bem clara, então
estar junto em nós é tão simples que inventamos essa
infernália complicada para que soe maior, do contrário seria o quê?

(desejo de compartilhar: meus olhos
entrelágrimas de sorrisos.)

reclamo ainda assim de algumas conversas surdomudo que travamos,
canais fechados freqüências assonantes
discrepâncias pragmático-discursivas.
talvez eu, preso nas urgências de minha cotidianidade imprompta,
tarefas prazos ligações contratos – já foi;
talvez você, procurando sei lá que distanciamento silente em outra
que não si mesma
(o que você quer, de fato? me diz, anda, faz, vai,
mas não empata a foda porque é isso que fode, tudo)

em meio aos sobrinhos abusivamente barulhentos
àquele meio de mato meio de nada onde você estava;
isso e o maldito telecom que não está não está lamento ela partiu.
reclamo assim agora aqui sabendo que nada será / foi
daquele jeito d’outrora e, sim,
tudo que foi teve que ser, daquela exata forma,
daquela exata forma: era nossa única, a possível.

nada impede sacodir a varinha mágica
balbuciar alguma besteira e
pronto!, teremos mudado por inteiro o estado de tudo.
(a realidade é tão somente uma rede de desejos, não me enche com trivia,
reconfigura e procede, o universo segue, tudo se segue daí)

e meu desejo agora é interromper isso
partir deixando abaixo outro texto que escrevi
não só para você mas
também para você, pouco depois.
feche a cortina;
apague a luz;
mexa-se na cadeira e – silêncio –
o primeiro
personagem acaba de entrar.

SEGUNDO ATO

 

- - -

[1] Para ver as belas fotos da Paula Anddrade, sugiro visitar a página dela no Flickr.

Quinta-feira
set232010

Drogas (de albuns de figurinhas) vendidas na porta da escola

Estou revoltado com o 'esqueminha' de 'distribuição gratuita' de álbuns de figurinhas para menores na porta das escolas. Quero muito que haja uma lei proibindo isso, mas não tive tempo de falar com meu advogado ainda.

Não vou falar o nome da editora nem do álbum de figurinhas de uma das muitas franquias japonesas de desenhos animados que funcionam como merchandising de bolinhas que abrem ou bonequinhos ou o que for. Considerem que é "um álbum de figurinhas" e que foi distribuído, hoje, na porta da escola, 'de graça', para meu filho de 7 anos. Claro, ele agora quer que compremos as 200 e poucas figurinhas.

As 200 e poucas figurinhas, mas duplicatas, não são grátis nem são distribuídas alegremente na porta da escola para menores ainda sem percepção de 'dinheiro', essa coisa realmente estranha com a qual lidamos o tempo todo quase sem notar.

Eu acho peculiar porque temos leis severas contra vender drogas na porta de escolas nesse mesmo esquema, de "pusher" ("pusher" é o nome dos anos 70 para os traficantes que tentavam fazer o que hoje o marketing chama de "aquisição e fidelização de clientes") – leva um grátis, vicia, depois eu vendo o resto.

Álbum de figurinha para crianças no Ensino Primário Básico de Primeiro Grau pode? E aspirina, posso distribuir aspirina grátis na porta das escolas? E depois da aspirina, posso dar amostra grátis de prozac ou lexotan? O que mais é possível 'dar' na porta de uma escola, antes de ser crime?

Drogas viciam, drogas matam, drogas geram prejuízos materiais ... um monte de coisas. Vamos deixar essa parte de lado, não quero começar um debate sobre legalização, os fatos ruins sobre drogas são fatos, não questões; a questão é como lidar sócio-econômico-politicamente com os fatos (e acho que muita gente têm dificuldade em entender esta separação, entre fatos e questões).

Voltando: "álbum de cromos colecionáveis" não matam. Fazem buracos em contas bancárias mas não matam. Contudo, me sinto ultrajado e entendo que um espaço público – a calçada – foi invadido por uma pessoa muito indesejável.

Pelas últimas contas que fiz, um álbum de figurinhas custa umas 80 pratas. Em geral vai para o lixo logo depois, ou mofa, inútil, ocupando espaço na estante.

Oitenta pratas é o preço de um belo livro ilustrado e, se ele quisesse 80 pratas para comprar o livro dos "1001 Bonecos Japoneses de Ação", tudo bem – eu compro livros sobre cinema, automóveis, outras pessoas compram sobre luminárias ou jardins ou fotografia.

O problema é o direito de escolha e o fato de que adultos têm defesas um pouco melhores frente ao lixo que certas empresas imorais tentam nos empurrar. Crianças não.

Essa coisa na porta da escola me soou, hoje, como algo muito errado que está acontecendo e que escolhemos deixar acontecer. Se não escolhemos, se há uma lei contra isso, então eu preciso descobrir qual é a lei e tentar fazer com que seja cumprida.

Isso é só um desabafo, mas sei que outras pessoas com filhos vão entender. Não sei o que fazer a partir disso, embora entenda que faz parte de um pensamento crítico mais amplo que eu tenho sobre esse marketing pervasivo, invasivo, indesejável e nocivo que faz de tudo para nos vender qualquer coisa.

Por hoje é isso. Ficaria feliz de ouvir comentários sobre este assunto, especificamente, mas também fico feliz se mais pessoas começarem a pensar sobre as 'ofertas' que recebem sem nunca ter pedido nada, e quanto espaço, tempo e energia de vida isso nos rouba.

PS - Esse álbum, assim como qualquer outro que surgir aqui por esquemas similares, vai para o lixo, por uma questão de princípios que eu levo muito a sério.

Segunda-feira
set202010

As leis da termodinâmica, segundo John Campbell 

Todos conhecem a formulação física das leis da termodinâmica que dizem, entre outras coisas, que é mais fácil seus livros ficarem bagunçados do que arrumar a prateleira, e que um picolé irá derreter e pingar na sua roupa (a menos que seja gasta energia para resfriá-lo ou que você esteja tentando tomar sorvete em uma temperatura abaixo de zero, o que me parece uma grande sacanagem da parte do Universo.)

Embora muitas coisas no Clubinho Universo sejam essencialmente regidas pelas Três Leis, muitas vezes elas enchem o saco dos Humanos, então invariavelmente inventamos brincadeiras com elas.

John Campbell, escritor norte-americano, escreveu o seguinte a respeito:

Primeira lei da termodinâmica: Você não pode vencer.

Segunda Lei da Termodinâmica: Você não pode empatar.

Terceira lei da termodinâmica: Você não pode sair do jogo. [1]

Acho injusto, mas as reclamações devem ser dirigidas exclusivamente à Diretoria do Clube Universo.

(Maiores considerações em breve.)

 

[1] Observação posterior: Como notado e anotado em comentários abaixo, parece haver muitas reformulações e brincadeiras com as leis da Termodinâmica, provavelmente porque elas enchem o saco de muita gente - inclusive eu, que sempre quis um moto perpetuo e essas Leis me impedem de ter um. Não posso afirmir que as formulações acima sejam do Campbell, de 1976, mas também não acho que seja possível determinar “quem” começou a brincar com isso primeiro. Provavelmente é um “meme” planetário que foi surgindo e mudando em vários lugares e com vários autores em paralelo e ao longo do tempo.

Devo, contudo, insistir que (a) a Wikipedia tem muito menos peso do que as pessoas atribuem a ela e (b) o conceito de “original” e de “autoria” é falho e extremamente difícil de determinar quando é um assunto genérico como este, onde há pelo menos 5 outras versões divertidas facilmente encontráveis na web.

Agradeço, contudo, os comentários e fico feliz quando as pessoas saem pela web procurando novas coisas relacionadas a algo que eu disse, citei, mencionei, pensei - curiosidade, longe de matar, faz crescer novos neurônios em Humanos!