Imagens & Tópicos
Das internas
Terça-feira
mai242011

carros: design cut & paste

não conseguia mais olhar para os carros sem ver outros carros em cada um deles. saíam modelos novos, mas aquilo que ele começou a chamar de “escola de design frankenstein”, ou “multiplicação do Mesmo”, se espalhava.

a frente de um carro era claramente copiada do modelo de sucesso de outra montadora. os faróis e lanternas tinham “modas”, e colocá-los mais para fora - onde quebrariam mais facilmente, dando retorno nas peças de reposição - ou mais para dentro - onde não contribuiriam tanto para o design, me contou alguém, mas era um lugar muito mais sensato … isso virou moda.

ficava imaginando: “na passarela, o novo modelo XPTo 2009 - notem o retorno dos detalhes em cromo na traseira, a tendência mundial de vidros recurvados, as rodas com porte esportivo e a frente bem curvada, última tendência em Milão”.

era quase assim.

e as linhas - todas roubadas. a tal ponto que não dava mais para saber o que tinha sido roubado de quem: estava ficando tudo igual ou, pelo menos, reduzido a quatro ou cinco tipos básicos, “categorias”, sei lá: SUVs monstruosos (“meu pau é do tamanho do meu carro”, ou “qualquer coisa menor que isso e fico inseguro nessa violência urbana”), ultra-sedans com preços de apartamentos (“olha, um Volvo S900, ele é mais caro que um apartamento de dois quartos em qualquer lugar menos o Leblon!”), compactos (“eu até tinha mais dinheiro, sabem?, mas acho que não preciso de nada maior que isso e também não sei parar muito bem nas vagas”), versões esportivas de tudo o que está aí em cima (é importante ser esportivo nos engarrafamentos, as pessoas vão olhar) e uns troços realmente baratos, que ele jurava que eram projetados por estagiários com base nas embalagens de leite.

ficava pensando quando é que voltariam a ter apenas um carro, igual para todos - um Modelo T v2010. algo como o ultracapitalismo mundial realizando o sonho do utilitarismo equalitário do antigo Bloco Comunista.

“mais cinco anos e chegamos lá”, pensou, avançando mais 10 metros em seu Modelo T, cinza-padrão.

Domingo
mai222011

no final, é a forma como fazemos as contas que define ...

Inútil olhar com tristeza. Nem mesmo crítica para aquele futuro, única distopia possível. Tudo já foi decidido, não pediram minha opinião. Nem a sua, por sinal. Prossiga em frente e faça o que deve ser feito.

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Sexta-feira
mai202011

Jardins : Loteria : Biblioteca : Babel + Babilônia = A Forma

você sabe que, no fundo, o site todo é um livro.
você pensou nisso às 4h da manhã, acordando, incomodado, por coisas que nem pôde reparar.
você ignora os erros de português ou de digitação porque agora digita tão rápido que as idéias são só um borrão. musical, como notas de um saxofone tocado muito rápido. como uma passagem de Brahms.
continua firme enquanto o espaço mental de criação se desdobra infinitamente.
se a crítica maior é que Borges  se recusou a reconhecer A Forma, a deixar o texto se abrir e se desdobrar nos caminhos que se bifurcam (o Jardim é tão grande quanto a Biblioteca de Babel e o que determina os percursos é a Loteria de Babilônia, você escreveu num ensaio que não publicou ainda; mas é tão óbvio) …. então, às 4h da manhã, o que você nota é que precisa deixar o site e o texto e o livro que vem do texto que é o site, tudo isso, se abrir em caminhos e enveredar por onde achar que é razoável, ou insano.
você disse ontem que sua próxima empresa se chamaria _______. não, você não pode dizer o nome antes que seja criado, seria o mesmo que perdê-lo.
você apenas digita mais um texto, como quem planta outro arbusto e cria mais uma bifurcação no Jardim, como quem faz outra aposta na Loteria, como quem muda um trecho de um dos livros da Biblioteca.
sabe, Borges não escreveu - talvez não tenha notado - mas os livros da Biblioteca estão constantemente sendo reescritos, sem que ninguém veja.
é o que quebra a estrutura do conto - é o limite, de onde ele não passou.
isso continua.
Sexta-feira
mai202011

amantes + hotel (em construção)

o texto começa assim:

“nos encontramos num quarto de hotel. amantes, velhos amigos; almas geminadas em outra encarnação (eu era escravo numa fazenda da Georgia, ela era branca; morri enforcado).

nos conhecemos pela internet. somos casados. nunca nos encontramos.

fazemos de conta que nos conhecemos pela internet porque somos casados: um com o outro, mas isso seria tão óbvio depois de um tempo que resolvemos nos tornar amantes. e se ela for minha esposa de fato se passando por outra, por mail, para me seduzir de novo? ou sou eu quem está fazendo isso?

e, sim: contamos (a respeito do caso) um para o outro agora - e estragamos a surpresa - ou decidimos ser infiéis quando nos encontrarmos, finalmente, no hotel em Praga, e então descobrirmos que o outro somos nós mesmos?

só nos conhecemos pela internet mas fazemos de conta que somos casados porque torna tudo mais simples, inclusive o imposto de renda. vamos nos encontrar no hotel, em Praga, Budapeste ou, talvez, Fortaleza. 

iremos falar da vida, das coisas que não temos tempo para dizer porque o tempo corre mais que todos, o tempo nos deixa longe de nós mesmos; iremos falar do que o tempo nos roubou, como amantes não teremos pressa não teremos as contas e a empregada e as compras e uma casa e duas empresas.

nunca estive com ela pessoalmente. convivo todos os dias. todos os dias convivo pessoalmente com alguém que não conheço. não conheço alguém com quem os dias convivem.

na escrita os lugares são muito permutáveis e é permitida uma ambiguidade enorme: eu, escritor, mudo aqui o que quero, e posso até sobrepor os hotéis de Paris, Nova Iorque, São Paulo - são um hotel só onde as imagens-personagens sobrepostas da esposa & amante & amiga vão ser, também, uma coisa-pessoa só, que vai chegar no quarto (não sei qual o dia, contudo; nós marcamos na agenda da casa?) e o que eu escrever a partir daqui transcorrerá. 

[cont.]

Quarta-feira
mai112011

a distância infernalmente tranquila entre nós [poesia]

ela me diz “não poderá passar impune” quando eu digo

“a distância infernalmente tranquila entre nós”

e respondo com um conto, respondo improvisando à noite ao piano,

entre paredes nuas, intervalos harmônicos soturnos

iluminados esparsamente pelas luzes da rua

a fumaça sobe do cinzeiro pousado ao lado, vodca,

no improviso eu digo “me beija, e nada terá passado impune”.

 

mas o beijo se perderá na distância infernal,

a tranquilidade forçada dos dias se manterá

nossas vidas assombradas por desejos

(estes, muito próximos, e me acordam à noite)

passaremos outra tarde esperando a noite depois daquela

dando vida às Musas com nossas paixões

exceto que Musas não beijam;

 

escritores, músicos, podem fazer surgir dos dedos

desejo universo dos infinitos caminhos

(ficcional é aquilo que bifurca os percursos do real)

mas escritores, frente à telateclado

ao final do último ponto se deparam

com a mesma distância infernalmente

vazia.